Mês 3 (três, ainda) em Nova York – Vivendo a temporada assustadora

Nos EUA, o mês de outubro é spooky season, a temporada assustadora. Passei 31 anos da minha vida menosprezando o Halloween. Achando bobo. Cheguei aqui, comecei a ver a decoração, os doces, as fantasias, as abóboras, a programação de filmes na TV... E, pronto! Me animei. O problema é que esse clima assustador chegou longe de mais e mesmo sem fantasmas, monstros e bruxas, meu mês está sendo horripilante. 

Descobri que meu computador é um conservador. Há 15 dias, programei a atualização do sistema e ele se revoltou. Até então eu não sabia das suas preferências antiquadas. Confesso que, de todos meus eletrodomésticos e eletrônicos, não esperava que o notebook fosse o mais reacionário. Infelizmente, por ter se rebelado, não ligou mais e já está há alguns dias na assistência técnica. 

Como consequencia, tenho vivido na pele o próprio horror do Halloween. Sou um Frankenstein com uma parte faltando. Sem meu computador, meu funcionamento mecânico e intelectual está debilitado. Como escrever, estudar, trabalhar, pesquisar? O celular ajuda, mas é limitado. Não é nada prático deixar dezenas de abas abertas na micro tela ou escrever longos e-mails e textos no teclado touch.   

Nessa história de terror, o marido tornou-se o herói que empunha a espada e desafia as trevas. Me ofereceu seu computador, criou um login para mim e, na medida do possível, ajeitou algumas configurações ao meu gosto. (Quase) tudo perfeito. 

- Amor, posso usar o computador?

- Desculpa, estou trabalhando. 

- E hoje?

- Preciso levá-lo comigo ao trabalho. 

- Talvez agora?

- É horário do almoço. Vamos comer juntos!

- Acho que agora dá. 

- Querida, são 2 da manhã. Vem dormir. 

- Hoje vou ter ele todinho pra mim!

- Mas é fim de semana, vamos passear! Estamos em Nova York!

Apesar das boas intenções tudo piorou, pois um casal viver com horários incompatíveis é tão sombrio quanto mansões mal-assombradas, seres sobrenaturais e cemitérios iluminados pela lua cheia.  O tempo de escrita é egoísta. Demanda exclusividade. O pensamento fica lá matutando, pensando mil formas e pontos de vistas, fazendo listas de assuntos e vocabulários. E aí, quando as palavras querem se materializar, não há o que fazer. É preciso sentar e escrever, porque se perder o momento, já era. Não dá para dividir computador.

Têm sido dias horripilantes estes que estou vivendo. Seria melhor lidar com poltergeists e bruxas do que a ausência de um eletrônico que já virou parte de mim. Há quem fale que isso é dependência, mas não é não. Isto é evolução: antes formado por partes humanas, hoje os Frankensteins são formados por partes biônicas. Deixamos de ser monstros para sermos ciborgues. 

A verdade é que meu cérebro só funciona bem com seus gadgets (mouse, teclado e tela), apps avaliados com 5 estrelas e configuração personalizada. O histórico do google, as senhas salvas automaticamente e a barra de favoritos são tão individualizados que já são partes orgânicas de mim tanto quanto a fome, a sede e o sono.  

Daqui a pouco é noite do dia 31, a mais assustadora do ano. Sob a luz da lua cheia e o som dos lobos uivando, temo o pior: a transição completa do eletrônico para o analógico. E aí, socorro!, voltarei para as canetas e caderninhos de anotação! 



- Sim, amor, já estou deslogando. Pode vir.  



                                                Photo by Beth Teutschmann on Unsplash

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Hoje uma crônica temática! E assim concluí as quatro crônicas do curso. Quem quiser ver as outras, segue os links: 

Mês 2 (dois) em Nova York

Mês 2,5 (dois e meio) em Nova York: brazilian com b minúsculo

Mês 3 (três) em Nova York – a vitória dos ratos


Um comentário:

  1. Ah eu sou fã dos cadernos e canetas, mas entendo sua angústia! Hehehe happy Halloween!!!

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