O Apanhador no Campo de Centeio: o privilégio de viver um dos seus livros preferidos

Minha vida ultimamente tem funcionado na contagem regressiva. Desde que começou a Copa, minha rotina se tornou caótica - e se está caótica, é porque não há rotina. Final de semestre e por isso provas, trabalhos e horários malucos. O inverno se aproxima, as temperaturas caíram, encontrinhos de final de ano, feriado de Thanksgiving, Covid por uma semana, arrumação de mala para a viagem ao Brasil, compras de presente de Natal e, no meio de tudo isso, jogos do Brasil e uma Copa do mundo. Além das outras coisas que vão acontecendo in between

Por isso, fui lendo alguns livros e não consegui registrá-los aqui. Minha resolução de escrever tudo em inglês não ajudou, porque meu fluxo de pensamento é em português. Eu precisaria de tempo de escrita e revisão, o que não teve. Minha cabeça também esteve mais para a Copa e a seleção brasileira, então meu cérebro suprimiu a parte de vivência norte-americana. Por isso, fiquei adiando, adiando, e não escrevi aqui no diário as últimas leituras, mesmo elas tendo ficado entre as melhores do ano. 

Como a bomba relógio está prestes a explodir e o ano acabar, resolvi escrever em português mesmo uma breve - bastante breve - resenha desses livros. Não terá revisão. Ou esse registro sai de uma vez de forma natural, ou não sairá. Não há opção de cesariana. Começo essa maratona com uma leitura de dois meses atrás. 

Minha fantasia de Halloween


Li The Catcher in the Rye em Outubro para me fantasiar de Holden Caulfield no Halloween. Foi uma leitura tão especial e significativa, que queria escrever um texto a sua altura. Mas é claro que a expectativa de fazer algo perfeito só significou a procrastinação eterna. 

A primeira vez que li O Apanhador no Campo de Centeio foi em 2020, antes de me mudar para os EUA, quando eu ainda não conhecia muito bem a literatura americana nem estava acostumada a ler ficção em inglês. Na época, eu já havia gostado muito do narrador e como eu tenho uma grande afinidade por romances de formação, o livro de J.D. Salinger conquistou um lugarzinho no meu coração. 


Retomei a leitura no kindle, mas depois de um ano e meio morando em Nova York, o livro ganhou uma dimensão completamente nova e até comprei o paperback da belíssima e icônica capa vermelha.  Conforme ia avançando na leitura, pude ir caminhando pela cidade com Holden. Apesar do livro ter sido publicado há 70 anos e a cidade de Nova York ter sofrido grandes mudanças, muita coisa continua ainda igual: a caminhada pela quinta avenida, o bar em Greenwhich Village, a loja de discos na Broadway, o Radio City Music Hall, a Grand Station, o Carrossel do Central Park, o zoológico, etc. 

É um livro mais triste do que eu lembrava. A solidão urbana, o luto pela morte do irmão, o deslocamento social ao descobrir o abismo que separa a "essência" de um indivíduo e seu lugar social, as regras de etiqueta, o "ser" quem você é e o que se espera de você... Tudo isso na cabeça de um adolescente andando numa cidade adulta e agressiva, num frio de dezembro. Acho que não importa qual a idade que lemos The Catcher in the Rye, todos somos um pouco Holden Caulfield, às vezes um pouco mais outras vezes um pouco menos. 

John Lennon


Quando falei pro meu irmão que estava lendo The Catcher in the Rye e que ia me vestir de Holden Caulfield para a festa de Halloween, ele me mandou um trecho de um episódio de South Park. Os personagems do desenho animado tinham recebido como lição de casa ler esta obra que, como o professor disse, era "polêmica".  Um dos personagens, ao terminar o livro, pega uma faca de cozinha e sai dizendo que quer matar John Lennon que, é óbvio, já havia sido morto. Foi aí que eu descobri que o assassino de John Lennon, Mark David Chapman, disse que se inspirou em Holden Caulfield para matar o compositor, pois John Lennon seria um grande "phony" e, portanto, alguém que Holden detestaria. 



Eu lamento muito que J.D. Salinger tenha testemunhado alguém dizer que seu livro foi usado como inspiração de um assassinato. E é na verdade isso que o episódio de South Park discute: como as pessoas tiram interpretaçãos bizarras quando procuram grandes significados e mensagens em textos de ficção que - pasmem - às vezes não querem dizer nada.

Se eu pudesse, eu diria para Salinger que seu livro, na verdade, se utiliza do mundo adulto corrompido para valorizar a inocência infantil. E que, ao contrário de aniquilar e matar o mundo adulto hipócrita, ele faz a gente recuperar e valorizar a simplicidade que tínhamos quando éramos crianças. 


Minha fantasia de Holden Caulfield na festa de Halloween da New York Public Library


Depois de me fantasiar de Holden para a festa de Halloween, tirar várias fotos com uma cara beeem triste e maquiagem embaixo dos olhos, no final de semana seguinte fomos ao Carrossel no Central Park. Eu nunca teria ido dar uma volta no Carrossel se não fosse The Catcher in the Rye. E sabe de uma coisa? Foi uma das experiências mais legais que eu tive em Nova York. Me emocionei muito poder viver uma parte tão linda daquele livro. É um privilégio poder viver uma grande leitura. 


Minha alegria depois de dar uma volta no carrossel e ainda ganhar uma balinha de trick or treat. 

Hollywood


JD Salinger e seus descendentes nunca autorizaram uma adaptação de The Catcher in the Rye. Por isso, apesar de seu status na literatura norte-americana, nunca foi feito um filme do livro. Inclusive, na própria narrativa, há passagens onde o narrador, Holden, expõe sua opinião sobre Hollywood, dizendo que filmes são "phonys". Ele diz que seu irmão é um "vendido", pois deixou de escrever suas estórias e mudou-se para Hollywood para escrever roteiros de filme. 

Para além dessa questão metalinguística sobre a arte literária e da dramaturgia, em sua vida pessoal, J.D. Salinger sofreu uma grande decepção amorosa que envolveu o mundo do cinema. Aos 23 anos, Salinger se apaixonou pela moça de 16 anos Oona O'Neill, filha de um grande e famoso dramaturgo norte-americano, Eugene O'Neill

Eles começaram a se relacionar, e quando Salinger partiu para lutar na Segunda Guerra Mundial, ele escreveu e enviou a sua amada muitas cartas de amor. Tudo acabou, no entanto, quando Oona tornou-se Lady Chaplin, ao se casar com Charlie Chaplin, que tinha então 54 anos. Dizem as más línguas que Salinger ficou devastado e isso explicaria seu "ranço" com a sétima arte. 

Mas isso é só uma curiosidade! Geralmente sou defensora de separar o artista da obra. O Apanhador no Campo de Centeio é um livro incrível por si só e essa história envolvendo o autor é muito interessante porque envolvem grandes nomes da dramaturgia. 

Com certeza O Apanhador no Campo de Centeio é um dos meus livros favoritos, que quero ler novamente em outros momentos da minha vida. Aí, quem sabe, falarei um pouco sobre o título. Pesquisei um pouco sobre ele e também achei muito curioso, mas fica para uma próxma vez. 

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