A leitura de Drácula, Bram Stoker, e meu primeiro Halloween em Nova York

Havia um tempo que não lia nenhuma obra do século XIX. Por mais que meu preferido seja o século XX, eu gosto muito de me voltar aos clássicos mais antigos vez ou outra. Drácula foi a oportunidade de corrigir esse erro, ler algo temático com o Halloween e voltar a ler com os grupos de leitura. Por causa do ano cheio de mudanças, não consegui acompanhar as leituras coletivas do Querido Clássico em 2021. Mas agora que estou já bem instalada e minha vida voltou ao normal, pude corrigir também este outro erro. 

Drácula não foi o primeiro livro que peguei na New York Public Library, mas foi o primeiro livro que terminei e será devolvido. Isso traz um carinho especial para a leitura, porque tirar a carteirinha da biblioteca teve um significado especial para mim: o sentimento de pertencimento, de casa. Depois de tanto tempo "em transição", vivendo no Brasil, Chile, Brasil de novo e esperando as fronteiras abrirem, tirar a carteirinha da NYPL significou "agora aqui é meu endereço por um bom tempo e essa é a prova!". É também mais um jeito legal de interagir com a cidade. Afinal, a NYPL é muito "Os caçadores de fantasmas". 



Apesar da referência do filme, eu não preciso ir até o prédio com a fachada e a sala de leitura famosas. Existem várias unidades menores pela cidade e uma muito perto da minha casa. É lá onde tenho indo retirar os livros que peço para reservar pelo site. É menos glamuroso, mas facilita muito a vida! 

Agora voltando ao Drácula

É uma ótima experiência ler do começo ao fim uma obra onde estão todas as referências que vemos em tantos outros lugares. O "arsenal vampiresco" que eu tinha era picotado: pedacinhos que a gente vê lá ou aqui. Então quando eu li a origem de tudo isso, junto e de uma vez só, algumas coisas se iluminaram e também tive surpresas. 

Por exemplo, o fato de que o Drácula não tem voz no livro. Em nenhum momento. Tudo o que sabemos dele é pelo relato de outras pessoas. Poderíamos dizer, talvez, que o Drácula nem existiu e tudo foi um delírio coletivo daquelas pessoas ali envolvidas. 

Outra surpresa foi a estrutura narrativa. Eu não esperava que ela fosse formada por cartas, trechos de diários e notícias recortadas de jornal. A primeira vez que li algo assim foi "O médico e o monstro" e eu adorei. É preciso ter paciência com esse tipo de leitura, mas é legal porque vamos montando o quebra-cabeça da história. Especialmente em Drácula, a gente vai se deixando seduzir pelos múltiplos narradores. Ainda mais por se tratar de cartas e diários, nós, leitores ingênuos, gostamos de acreditar no que dizem sem desconfiança. 

E assim Bram Stoker nos guia pela leitura de uma história na qual um grupo de quatro homens vão tentar salvar duas moças e a própria Inglaterra das garras do Conde Drácula. Este grupo de cinco homens  é formado por um médico inglês John Seward, o Lord Arthur Holmwood, o procurador inglês John Harker, o americano rico do Texas Quincey Morris e o médico holandês Abraham Van Helsing. As "donzelas" são Lucy Westenra e Mina Murray, que depois se casa com Jonathan Harker e vira Mina Harker. São alguns destes personagens que registram seus dias em diários e trocam cartas que nos contam quem é Conde Drácula e sua história. Sob uma perspectiva do final do século XIX, é praticamente uma história de cavaleiros lutando contra o mal e salvando donzelas inocentes. 

Ano passado eu li "Imunidade", de Eula Biss, publicado pela Editora Todavia, e a autora fala sobre Drácula como uma metáfora para o surgimento de doenças infecciosas, principalmente a sífilis, que é transmitda por sexo/sangue e cuja principal porta de entrada é pelos portos e navios. Exatamente como o Conde Drácula chega na Inglaterra, "contamina" Lucy que, depois, contamina crianças. É a metáfora do Outro, nesse caso o estrangeiro, trazendo doenças e contaminando "a pureza" daqueles que são donos do lugar. Afinal, Lucy, a "luz", é uma moça sensível, jovem e angelical. Uma vez "contaminada" e transformada, ela ataca outros seres mais inocentes: as crianças. 

A narrativa de Bran Stoker é cheia de tensão. Principalmente os diários de Jonathan no Castelo do Conde e, depois, a chegada do Drácula na Inglaterra. Estas foram minhas partes favoritas. Confesso que, do meio para o final, fiquei um pouco cansada. Achei a leitura um pouquinha arrastada, mas minha edição tinha mais de 600 páginas e, realmente, não dá para ter o mesmo ritmo 100% do tempo. 

Outra leitura possível é a da sexualidade (que também é um meio de "contaminação" de doenças e se liga com o que a Eula Biss diz no seu livro, Imunidade). Apesar de "monstruoso" os momentos nos quais o Conde ataca Lucy e Mina e as noivas do Drácula se aproximam de Jonathan, existe sim uma tensão sexual nas entrelinhas. Este ponto, sutil no livro, é exacerbado no filme Dracula de Bram Stoker, de 1992 e dirigido por Francis Ford Coppola. Esta adaptação também conta com algo que não existe no livro: a voz do próprio Drácula. É como se o filme desse a chance para o Conde contar sua versão da história. 

Eu acabei a leitura ontem, dia 30 de outubro, pela tarde. Assisti o filme que mencionei acima a noite e hoje, dia 31, dia de Halloween, foi a videochamada do clube de leitura do Querido Clássico. Foi muito bom! Eu estava com saudades de ouvir as impressões e pontos de vistas de outras pessoas que leram a mesma coisa, mas que tem opiniões diferentes. E isso é muito enriquecedor. A noite, eu e o Allan fomos até a rua 69th, aqui em Manhattan, para ver as decorações de Halloween e as crianças fantasiadas. 

Em geral, foi uma experiência ótima. Muitas coisas se somaram nessa leitura: o primeiro livro que acabei de ler da NYPL, a temática do Halloween e a volta ao Clube de Leitura Querido Clássicos. 







Sobre o médico e o monstro, escrevi sobre ele aqui: Dr. Jekyll e Mr. Hyde - a ambiguidade do público e do privado no homem moderno
O Clube de Leitura do Querido Clássico: Clube do Livro Querido Clássico

Um comentário:

  1. Eu já tentei ler Drácula mas acho que não era o momento certo, mas seu post me fez querer tentar novamente. Acho que vou reservar pra essa época no ano que vem!

    ResponderExcluir