O Apanhador no Campo de Centeio: o privilégio de viver um dos seus livros preferidos

Minha vida ultimamente tem funcionado na contagem regressiva. Desde que começou a Copa, minha rotina se tornou caótica - e se está caótica, é porque não há rotina. Final de semestre e por isso provas, trabalhos e horários malucos. O inverno se aproxima, as temperaturas caíram, encontrinhos de final de ano, feriado de Thanksgiving, Covid por uma semana, arrumação de mala para a viagem ao Brasil, compras de presente de Natal e, no meio de tudo isso, jogos do Brasil e uma Copa do mundo. Além das outras coisas que vão acontecendo in between

Por isso, fui lendo alguns livros e não consegui registrá-los aqui. Minha resolução de escrever tudo em inglês não ajudou, porque meu fluxo de pensamento é em português. Eu precisaria de tempo de escrita e revisão, o que não teve. Minha cabeça também esteve mais para a Copa e a seleção brasileira, então meu cérebro suprimiu a parte de vivência norte-americana. Por isso, fiquei adiando, adiando, e não escrevi aqui no diário as últimas leituras, mesmo elas tendo ficado entre as melhores do ano. 

Como a bomba relógio está prestes a explodir e o ano acabar, resolvi escrever em português mesmo uma breve - bastante breve - resenha desses livros. Não terá revisão. Ou esse registro sai de uma vez de forma natural, ou não sairá. Não há opção de cesariana. Começo essa maratona com uma leitura de dois meses atrás. 

Minha fantasia de Halloween


Li The Catcher in the Rye em Outubro para me fantasiar de Holden Caulfield no Halloween. Foi uma leitura tão especial e significativa, que queria escrever um texto a sua altura. Mas é claro que a expectativa de fazer algo perfeito só significou a procrastinação eterna. 

A primeira vez que li O Apanhador no Campo de Centeio foi em 2020, antes de me mudar para os EUA, quando eu ainda não conhecia muito bem a literatura americana nem estava acostumada a ler ficção em inglês. Na época, eu já havia gostado muito do narrador e como eu tenho uma grande afinidade por romances de formação, o livro de J.D. Salinger conquistou um lugarzinho no meu coração. 


Retomei a leitura no kindle, mas depois de um ano e meio morando em Nova York, o livro ganhou uma dimensão completamente nova e até comprei o paperback da belíssima e icônica capa vermelha.  Conforme ia avançando na leitura, pude ir caminhando pela cidade com Holden. Apesar do livro ter sido publicado há 70 anos e a cidade de Nova York ter sofrido grandes mudanças, muita coisa continua ainda igual: a caminhada pela quinta avenida, o bar em Greenwhich Village, a loja de discos na Broadway, o Radio City Music Hall, a Grand Station, o Carrossel do Central Park, o zoológico, etc. 

É um livro mais triste do que eu lembrava. A solidão urbana, o luto pela morte do irmão, o deslocamento social ao descobrir o abismo que separa a "essência" de um indivíduo e seu lugar social, as regras de etiqueta, o "ser" quem você é e o que se espera de você... Tudo isso na cabeça de um adolescente andando numa cidade adulta e agressiva, num frio de dezembro. Acho que não importa qual a idade que lemos The Catcher in the Rye, todos somos um pouco Holden Caulfield, às vezes um pouco mais outras vezes um pouco menos. 

John Lennon


Quando falei pro meu irmão que estava lendo The Catcher in the Rye e que ia me vestir de Holden Caulfield para a festa de Halloween, ele me mandou um trecho de um episódio de South Park. Os personagems do desenho animado tinham recebido como lição de casa ler esta obra que, como o professor disse, era "polêmica".  Um dos personagens, ao terminar o livro, pega uma faca de cozinha e sai dizendo que quer matar John Lennon que, é óbvio, já havia sido morto. Foi aí que eu descobri que o assassino de John Lennon, Mark David Chapman, disse que se inspirou em Holden Caulfield para matar o compositor, pois John Lennon seria um grande "phony" e, portanto, alguém que Holden detestaria. 



Eu lamento muito que J.D. Salinger tenha testemunhado alguém dizer que seu livro foi usado como inspiração de um assassinato. E é na verdade isso que o episódio de South Park discute: como as pessoas tiram interpretaçãos bizarras quando procuram grandes significados e mensagens em textos de ficção que - pasmem - às vezes não querem dizer nada.

Se eu pudesse, eu diria para Salinger que seu livro, na verdade, se utiliza do mundo adulto corrompido para valorizar a inocência infantil. E que, ao contrário de aniquilar e matar o mundo adulto hipócrita, ele faz a gente recuperar e valorizar a simplicidade que tínhamos quando éramos crianças. 


Minha fantasia de Holden Caulfield na festa de Halloween da New York Public Library


Depois de me fantasiar de Holden para a festa de Halloween, tirar várias fotos com uma cara beeem triste e maquiagem embaixo dos olhos, no final de semana seguinte fomos ao Carrossel no Central Park. Eu nunca teria ido dar uma volta no Carrossel se não fosse The Catcher in the Rye. E sabe de uma coisa? Foi uma das experiências mais legais que eu tive em Nova York. Me emocionei muito poder viver uma parte tão linda daquele livro. É um privilégio poder viver uma grande leitura. 


Minha alegria depois de dar uma volta no carrossel e ainda ganhar uma balinha de trick or treat. 

Hollywood


JD Salinger e seus descendentes nunca autorizaram uma adaptação de The Catcher in the Rye. Por isso, apesar de seu status na literatura norte-americana, nunca foi feito um filme do livro. Inclusive, na própria narrativa, há passagens onde o narrador, Holden, expõe sua opinião sobre Hollywood, dizendo que filmes são "phonys". Ele diz que seu irmão é um "vendido", pois deixou de escrever suas estórias e mudou-se para Hollywood para escrever roteiros de filme. 

Para além dessa questão metalinguística sobre a arte literária e da dramaturgia, em sua vida pessoal, J.D. Salinger sofreu uma grande decepção amorosa que envolveu o mundo do cinema. Aos 23 anos, Salinger se apaixonou pela moça de 16 anos Oona O'Neill, filha de um grande e famoso dramaturgo norte-americano, Eugene O'Neill

Eles começaram a se relacionar, e quando Salinger partiu para lutar na Segunda Guerra Mundial, ele escreveu e enviou a sua amada muitas cartas de amor. Tudo acabou, no entanto, quando Oona tornou-se Lady Chaplin, ao se casar com Charlie Chaplin, que tinha então 54 anos. Dizem as más línguas que Salinger ficou devastado e isso explicaria seu "ranço" com a sétima arte. 

Mas isso é só uma curiosidade! Geralmente sou defensora de separar o artista da obra. O Apanhador no Campo de Centeio é um livro incrível por si só e essa história envolvendo o autor é muito interessante porque envolvem grandes nomes da dramaturgia. 

Com certeza O Apanhador no Campo de Centeio é um dos meus livros favoritos, que quero ler novamente em outros momentos da minha vida. Aí, quem sabe, falarei um pouco sobre o título. Pesquisei um pouco sobre ele e também achei muito curioso, mas fica para uma próxma vez. 

Se por acaso você leu até aqui, gostou e ficou com vontade de ler O Apanhador no Campo de Centeio, clique aqui para comprar pela minha lojinha de afiliados da Amazon. Obrigada!

The Road, by Cormac McCarthy: a messianic tale in a post-apocalyptic world

For the past two years, I have been writing book reviews on this blog, which is like a notebook for me. The beauty of notebooks is the freedom they give us to do everything we want on their blank pages. From now on, I'll continue writing about my reading experiences and book reviews, but I will also try to practice my English writing. 

I have been living in the US for a while, and maybe I'll stay here for a little longer. I want to start practicing and improving my writing in this foreign language. That being said, I'm talking today about The Road, by Cormac McCarthy, the same author of No Country for Old Men (Onde os fracos não tem vez), which movie adaptation won the Best Picture Oscar in 2007. 

This book was a surprise. My husband bought it a long time ago from a second-hand bookseller. I knew neither the book nor the author and never got any closer. All these past months the book has been wandering around my house. First, on the nightstand for a while, waiting for Allan to pick it up. When we noticed it wouldn't be read any time soon, it went to the TV stand, in the living room. Finally, I was putting it on a small shelf cart I bought to organize the books when I gave it a quick look and got interested.


Probably because I read so many classic books from the 19th century in the past few months, I'm now eager to read contemporary books. The Road was published in 2006 and became a national bestseller in the US. In Brazil, A Estrada was published in 2007 by Companhia das Letras. 


It is a post-apocalyptic tale about a father and his son trying to survive in a destroyed world. We are not told what has happened. A nuclear war? A meteor? We only know that everybody is dead and the world is burnt. There is a thick and dark atmosphere with little sunlight. It rains and snows. The weather is very cold and everything is covered by ashes. The few survivors have to wear masks and fight for food in a dead world where there are no more animals and plants. Not only humans have been extinct, but also cows, chickens, birds, and fishes. The soil is contaminated and it is not possible to grow vegetables. All they have to survive is canned food that, in one way or another, has outlived the end of the world. 

The man and his son walk on the road toward the south, where they expect it to be warmer. We follow them on their journey. They don't have names. No one who appears in the tale is named. In a deserted world, there are no individuals. Not even many words are needed. McCarthy's writing is almost a poem, with very direct short sentences. 

We follow the father trying to save his son at all costs from famine, cold, lack of sun, killers, thieves, and cannibals. Besides his physical integrity, the father also tries to save his son's goodness, hope, and innocent view of people. I suppose the boy is around 8 or 10 years old and he was born in this post-apocalyptical world. From his mother, we know very little. Only a few memories the father has of her. 

Many subjects are discussed in this journey: the love of a father and son, cannibalism, humanity, the relationship between man and nature, and hope - or the lack of it. What touched me the most though was how the annihilation of the world is, in fact, related to the disappearance of memory. Constantly the boy asks his father "what is this?" and the man slowly passes to him what he knows and remembers. However, at one point, he realizes that it is impossible to talk and live in that new world, without regretting the loss of the old world. Their reality is the consequence of the death of what it was. He can't show his son what it is in other terms other than death, loss, and disappearance. 

In a dead world, where can one find food? When famine, can humanity and hope endure? 

Despite all the post-apocalyptic horror, the book has an optimistic message - and a kind of messianic too. It is supposed that the boy carries "the fire", and they have a major goal to fulfill, bigger than themselves. Exactly like it is not revealed how the world ended up in that way, this "fire" the boy carries isn't much explored either. In The Road, everything is only suggested, not explained. 

I liked it very much. I do recommend it! You can find it on Amazon Brasil and Amazon US. There is also a movie released in 2009, I think it is available on Amazon Prime, but I haven't seen it yet. 

The Tender Bar, by J.H. Moehringer: a coming-of-age novel inspired by Scott Fitzgerald and the men from the bar

It has been really difficult for me to engage in writing the last few weeks. I've been trying to write this review about The Tender Bar for a while and I couldn't. One of the reasons I can think of is this bilingual reality I've been living in the last year: while I speak and think in Portuguese, I listen and read mostly in English. 

The last books I read were in English. That's ok, but writing in Portuguese about this last one has been a little tricky. The Tender Bar, a memoir by the American journalist J.R. Moehringer, was published in 2006 and it's about the childhood and early adult years of a man who was born and raised in Long Island, NYC. Not a classical book, like the others I've read before. 

In this one, the language was very simple. Except for the chapters in which he talks about baseball (oh, my God! I think baseball is so boring!), structures and vocabulary were easy to understand. So I think that while I read this book, I  thought about it in English too - not in my mother language. Maybe that's the reason why writing about it in Portuguese has been an impossible task (I know there might be other reasons, like the Brazilian elections, but let's not talk about it now). So, I decided I should give it a try and write this review in the same language I read it. Please, English speakers native who might be reading this review, forgive me for any mistake.


The Tender Bar was a very nice surprise. I didn't know the author and I ended up downloading the e-book because I saw there would be a reading club meeting at Central Park to discuss it. As usual, because I'm such a slow reader, I took longer to finish it and I didn't go to the meeting. I don't regret it, there will be others, but I'm glad I finished the book anyway. 

The book is divided into two parts. The first one wasn't my favorite, although the issues the author brings up are very important and delicate: a child in the 70s who grew up in a dysfunctional family in the outskirts of NYC, and whose closest male examples were his grandparent, his uncle, and his uncle's friends. 

J.R. Moehringer tells us about his life in his grandparent's decadent house, a place where his mother, after getting a divorce from his father, would always come back for lacking money and having nowhere else to go. A place where he lived with his aunt and several cousins (who were always running away from their violent husband and father), his uncle who worked at a bar, his dear grandmother and his grandfather who didn't give enough money for food to his wife, ignored the maintenance of the house and, every other weekend, had suspicious going outs. 

We are introduced to two opposite worlds. First, the house, or the domestic life, where men were absent. When they were present, they were violent, drunk, or mean to women and children. The place where men were unhappy and always trying to run away from. Second, "the bar". The Dickens, later called Publicans, was literally the place where people hung out and drank alcohol, and a metaphor for the "outside world", the "non-family world", the opposition of domestic life. 

This is the environment described in the first part of the book, in which the young J.R. Moehringer talks about how much he missed his father, the financial difficulties his single mother, judged by her own family, suffers to keep up with a job or even an apartment for them, the uncle who is either drunk or dealing with bets, and the grandfather who is mean to his grandmother, mother and aunt. The Moehringer boy assumes to himself his father role of taking care of his mother, at the same time he admires the men from the Publicans and wishes to be just like them. 

The second part of the book I liked very much. We follow his almost-accidental-approval at Yale, where he feels completely dislocated when comparing himself with all those boys and girls from rich and well-educated families. Then, he tells about his first job at The New York Times and his romantic life. The most important though is his realization that the Publicans, where he spent most of his days and considered a place of comfort, amusement, and manhood, was leading him to repeat the same mistakes the men of his early life committed with his family and himself. 

It is a beautiful book. The thing about memoirs, unlike autobiographies, is that they allow the author to select what and how they want to narrate. They have more freedom. I liked very much how J.R. Moehringer talks about manhood, alcoholism, and family. We see many women and women authors constantly talking about marriage, maternity, domestic life, and what it means to be a woman, but we rarely see men talking about these issues. Moehringer discusses what is to be a fatherless boy and his lonely pursuit to know what it means to be a man when all he has in his surroundings are broken men. 

Another very interesting subject brought up by the author is his discovery as a writer. It starts in his childhood and his interest in books and encyclopedias kept in a cabinet in his grandparent's house. Then, in his teenage years, he starts working part-time in a bookshop, in Arizona, and the owners introduce him to American Literature. At Yale he tries to "upgrade" his acknowledgment in literature and writing, but he has absolutely no academic success. All he has is his love for literature, his admiration for the great American authors, and his will of writing about the world he knew and those men from the bar. 

Moehringer starts his narrative with The Great Gatsby, because Manhasset, the place in Long Island where he was born and lived, was F. Scott Fitzgerald's inspiration for East Egg. Other authors and characters are mentioned in the book, from Charles Dickens to Emily Dickinson. It's very delightful to read about this "high literature" mixed with bar conversations and the most ordinary people and events from the outskirts of NYC. 

Absolutely a beautiful contemporary coming-of-age novel that I recommend. 

If you're not interested in reading more than 400 hundred pages, there is an adaptation on Amazon Prime released in 2021, directed by George Clooney. I haven't seen it yet, but I intend to. 


No Brasil, o livro foi to livro foi lançado em 2007, pela Editora Nova Fronteira, com o título Bar Doce Lar. Está disponível na Amazon Brasil. Se você leu até aqui, se interessou e gostaria de ler em português mesmo, clica nesse link aqui:  Bar Doce Lar, de J.R. Moehringer

O Corcunda de Notre Dame: minha estreia lendo Victor Hugo

Esses dias uma amiga querida estava me contando sua experiência em um museu e disse "a pior arte é aquela que provoca o nada, que não desperta nenhum sentimento, que não instiga curiosidade, admiração, raiva ou nojo. Ao olhar um quadro, até os sentimentos ruins são mais valiosos que o nada."

Pois bem, a partir disso tomei a iniciativa de escrever sobre minha última leitura. Já faz 15 dias que acabei O Corcunda de Notre Dame, escrito por Victor Hugo e publicado em 1831. Quando eu tinha 16 anos conheci meu marido. Ele era apaixonado por Victor Hugo, mas eu o perdôo, porque - afinal - todo adolescente é um grande romântico. Seu livro preferido era Os Trabalhadores do Mar. Isso foi em 2007 e, desde então, eu ouvi várias vezes recomendações para ler o tal do herói da literatura francesa que se pronuncia Hugô. 


Acontece que eu sabia que não ia gostar de todo o melodrama do romantismo francês. Porém, nestes últimos tempos, me envolvi numa pesquisa sobre a vida de Adèle Hugo, a quinta filha de Victor Hugo. O caminho foi labiríntico: para praticar o francês, estava assistindo a série da Netflix Dix Pour Cent onde, em um dos episódios, apareceu a atriz francesa Isabelle Adjani. Coloquei o nome dela no Google e vi que um dos filmes que lhe deu projeção foi A história de Adèle H.. Li a resenha, me interessei, estava disponível no Amazon Prime e, voilà! Me emocionei com o filme, com a história de Adèle e pesquisei bastante sobre ela, inclusive indo à biblioteca ler seus diários íntimos. 

Eu estava tão envolvida com essa história da família Hugo (descobri várias fofocas) que, quando vi que o Clube de Leitura do Querido Clássico tinha programado O Corcunda de Notre Dame como leitura coletiva para o mês de setembro, eu achei que seria uma ótima oportunidade. Porém, curiosidade: o timing foi ótimo, mas a leitura - como eu já esperava - foi ruim. 

Não é que o livro em si seja ruim, mas ele não conversou comigo, com meu momento de vida, com a minha realidade. A história se passa em Paris no final do século XV, escrito em 1830 e se trata de uma defesa a favor das construções arquitônicas góticas medievais que, após a Revolução Francesa, Victor Hugo via que estavam sendo todas demolidas. Eu entendo a importância histórica deste livro/ documento. Todas aqueles monumentos indo abaixo apagavam uma história que dificilmente poderia ser recontada depois. Várias vezes durante o livro, o narrador se intitula como "historiador" e usa os personagens e a narrativa ficcional para ensinar os leitores sobre a história e a arquitetura parisiense gótica e medieval, inclusive a própria formação urbana da cidade.  Sob a perspectiva da mudança do tempo, no sentido do fim de uma ordem, para o nascimento de um novo mundo, é um registro até bonito. 

Porém, de novo, em muitos sentidos esse livro não conversou comigo: não sou arquiteta, nem urbanista, tampouco medievalista, muito menos um dia já pisei na França. A única coisa que - talvez - poderia me aproximar disso tudo é meu carinho em estudar a língua francesa e meu interesse por literatura do século XIX, mas olhe lá! Eu procuro na ficção o prazer que a arte proporciona e para isso pela precisa dialogar com o expectador que, por sua vez, vê sentido no que está consumindo. Se eu estou lendo algo que não conversa com a minha realidade, não há diálogo, portanto não há sentido e, como consequencia, há frustração. 

Em resumo foi este o sentimento da minha estreia lendo Victor Hugo: frustração. Tirando um capítulo genial, onde o narrador faz uma análise de como a criação da imprensa mata (sim, do verbo matar) a arquitetura enquanto forma de registro histórico das sociedades, todo o resto achei bem cansativo. Inclusive a construção da única personagem feminina: Esmeralda. 

É também um pouco frustante ver essa mulher do romantismo sendo descrita e tratada como seres passivos, ingênuas e infantis. Aliás, esta é a forma como Victor Hugo tratou sua filha Adèle quando, aos 41 anos, ela é levada de volta à França depois de mais de uma década vivendo sozinha em países estrangeiros. No seu retorno, ela é diagnosticada com esquizofrenia. Um diagnóstico que, sob o nosso olhar contemporâneo, é bastante questionável, mas que na época, Victor Hugo tomou como um motivo para interná-la numa casa de repouso pelo resto de sua vida. 

Finalizo aqui sem falar muito sobre o livro em si, porque apesar de ser bastante rico e oferecer mil tópicos para serem discutidos, é muito complicado falar sobre algo sobre o qual não nos identificamos. Fica, porém, meu registro da experiência de leitura.

Retrato de Uma Senhora, de Henry James: tradição versus modernidade, casamento e liberdade

Retrato de uma Senhora está entre as obras mais importantes de Henry James e da literatura norte-americana. Depois de A Outra Volta do Parafuso e A Herdeira de Washington Square, Henry James me conquistou e outras obras entraram na lista. E assim comecei The Portrait of a Lady. Foi um dos livros mais difíceis que li nos últimos tempos. Li em inglês e o começo, até me familiarizar com os personagens e ambientes, foi muito devagar e complicado. Mas insisti, funcionou, e segui pelas 800 páginas. 

O enredo

Publicado em forma seriada durante o ano de 1881, Retrato de Uma Senhora conta a história de Isabel Archer, uma jovem moça da cidade de Albany, capital do estado de Nova York. Depois que seus pais morreram e suas irmãs se casaram, Isabel estava pobre, sozinha e um casamento era a única coisa que lhe restava. É aí que chega sua tia Mrs. Touchett, irmã de sua mãe e também nascida nos Estados Unidos, e convida-a a seguir com ela para suas casas na Europa, onde já morava há muitos anos. E assim começamos a saga da heroína Isabel Archer: sua chegada nos jardins de uma mansão inglesa, onde ela conhece seu primo Ralph Touchett e seu tio Mr. Touchett. 

Na Inglaterra ela conhece Lord Warburton, um dos vários candidatos que vai pedi-la em casamento. O outro galã, ao contrário do lord inglês (como nos romances, Isabel diz), será Caspar Goodwood, um jovem businessman de Harvard, que enriqueceu com a indústria de algodão. (É curioso como James caracteriza este personagem fisicamente: de maxilar quadrado e um porte excessivamente masculino, me trouxe imediatamente a imagem do Gaston, personagem do filme da Disney, A Bela e a Fera.) 

Isabel chega na mansão dos Touchett, chamada de Gardencourt, trazendo um frescor inocente, curioso e cheio de otimismo e desejos pela vida. Ela conquista a afeição de seu tio que, no leito de sua morte, decide deixar para a pobre moça uma pequena herança. Ralph, no entanto, de saúde frágil e baixa expectativa de vida, pede ao pai que diminua a sua própria herança e deixe a maior parte para Isabel. Provida de muita dinheiro, diz Ralph, Isabel poderia conquistar a liberdade que tanto desejava. "Mas ela não será vítima de caçadores de fortuna?", pergunta o pai. Ralph confirma que este risco ela irá correr, mas que ele está curioso e gostaria de ver e acompanhar como a prima vai lidar com essas questões. 

Mr. Touchett morre, Isabel torna-se uma moça solteira muitíssimo rica e, sedenta por liberdade, recusa os pedidos de casamento do Lord Warburton e de Caspar Goodwood, partindo em direção à Itália com sua tia. A partir daí, a história se desenrola em casarões e ruínas nas cidades de Florença e Roma.

Ainda na Inglaterra, Isabel conhece uma amiga de sua tia que, assim como elas, havia nascido nos EUA, mas morava na Europa já há muitos anos. Mrs. Merle, para Isabel, é a perfeição: elegante, inteligente, culta e sabe agradar. Mrs. Merle também mora na Itália e, depois das pequenas férias em Gardencourt, partirá com Mrs. Touchett e Isabel para Roma e Florença, sendo um personagem importante na segunda parte da história. 

Através de Mrs. Merle, Isabel conhece o viúvo Gilbert Osmond, outro expatriado que tem uma filha adolescente, chamada Pansy. Osmond é um personagem interessantíssimo: ele quer ser um aristocrata e vive, fala e se comporta como um. Seu gosto é o puro refinamento da aristocracia e sua visão de mundo é conservadora, mesmo ele sendo pobre e nascido nos EUA. Ele condena tudo o que é do novo mundo, dos novos costumes, e tem um gosto excessivo pelo convencional. (Praticamente um Caco Antibes.) 

Mrs. Merle e Osmond têm uma relação bastante suspeita e, após a morte de Mr. Touchett e o recebimento da herança por Isabel, tramam um casamento entre a moça e Osmond. Bom, a partir daí, não vou continuar a história, mas adianto que Isabel - contra tudo e contra todos - decide-se casar com Osmond. 

O Novo no Velho Mundo

Apesar da dificuldade que encontrei no começo do livro, por que continuei? Logo de entrada, me interessei demais pela relação de Isabel, uma moça do Novo Mundo, descobrindo as coisas no Velho Mundo. Eu me vi muito nela, quando fui pela primeira vez para a Europa, em 2017. Existe um impacto enorme quando nós, que nascemos e crescemos em países de histórias tão recentes - ex-colônias que conquistaram suas independência há menos de 200 anos -, pisamos em lugares que reinvindicam o início de suas histórias em tempos antes de Cristo. 

Não é sem intenção que o autor coloca sua heroína caminhando pelas ruínas do Coliseu. É o velho versus o novo, a modernidade versus a tradição. No campo da geopolítica, era o recente país Estados Unidos da América se legitimar como uma nação potente e não mais como ex-colônia; no campo da literatura, era Henry James colocando sua obra no panteão da literatura ocidental. 

Temos uma tendência de idealizar o passado, e mais ainda idealizar um lugar que tem um passado que nós não temos. Estar na Inglaterra e conhecer um verdadeiro Lord, diz Isabel, é "como viver um grande romance". Por isso os personagens deixam os Estados Unidos e, na Europa, vivem uma vida aristocrática parada no tempo, andando a cavalo e caminhando pelas ruas milenares europeias, enquanto do outro lado do Atlântico, linhas ferroviárias estavam sendo construídas para ligar o Atlântico e o Pacífico, metrópoles estavam sendo erguidas, e o avanço tecnológico e financeiro se desenvolvia rapidamente de um dia para o outro. 

O progresso tecnológico bate de frente com o conservadorismo social e é aí que entra o casamento frustrado de Isabel Archer. 

O casamento como liberdade e prisão

Eu li Isabel Archer e sua saga de duas maneiras. 

A primeira, como uma personagem feminina que, com os privilégios de uma boa e confortável educação burguesa, cresce com a inocência e vontade de conhecer o mundo. Ela quer ter novas experiências. Depois que seus pais morreram e suas irmãs se casaram, Isabel se vê sozinha, encantada pelo mundo dos livros e é apenas curiosa. Ela vê no casamento o risco de ficar presa e, com a companhia de sua tia e, depois, absolutamente rica, ela rejeita os pedidos de casamento de Lord Warburton e Caspar Goodwood sob o pretexto de preservar sua liberdade. 

Mas o que é liberdade para a mulher no século XIX? Caspar Goodwood diz a ela: solteira, ela não pode andar sozinha por onde bem entender. Uma dama deve estar sempre acompanhada e é constantemente vigiada. Existe uma série de regras sociais do que uma mulher solteira deve ou não fazer para não sujar sua reputação. Só um casamento traria à ela a liberdade que ela desejava. 

E é aí que ela vê em Gilbert Osmond, um compatriota, amante da beleza Antiga, que vive na Europa há muitos anos e cria sua filha com o rigor do conservadorismo Católico, a oportunidade de tornar-se uma dama e conquistar sua desejada liberdade nos círculos mais aristocrático europeus. 

A segunda leitura foi de Isabel como uma metáfora do próprio país Estados Unidos, que vinha discutindo o conceito de liberdade intensivamente no último século. Quando o livro foi publicado, os EUA eram um país de apenas 105 anos, tendo conquistado sua independência da Grã-Bretanha em 1776. Depois disso, entre 1861 a 1865, o país enfrentou a Guerra de Secessão e, só em 1863 os EUA assinaram a abolição da escravidão. Liberdade era o tema do dia há muito tempo. Além disso, um país extremamente novo, estava procurando se encontrar, construir sua própria identidade, e apesar da tão desejada liberdade, era para a Europa que o país se virava para construir suas referências identitárias e culturais. 

Isabel Archer, como uma metáfora dos Estados Unidos, olha encantada para os modos aristocráticos, as ruínas e a tradição do Velho Mundo. Por isso, ela decide casar-se com Gilbert Osmond, o compatriota americano mais conservador que ela poderia encontrar. Caspar Goodwood, o jovem industrialista de Boston, representava o progresso tecnológico, financeiro e o futuro; Lorde Warburton, apesar do título de nobreza, tinha ideias revolucionárias e um engajamento político relevante; Gilbert Osmond era o retrocesso do retrocesso. Sua admiração pelo passado, pelas coisas tradicionais e estáticas, seu gosto pelo Antigo, faz dele um retrógrado. Isabel, na sua inocência, viu no casamento com Gilbert Osmond a possibilidade de unir sua liberdade e juventude com o passado e a tradição.

Essa tentativa de união foi frustrada e deixo aos interessados descobrir porque. Mas acrescento brevemente que, recentemente li A Casa das Sete Torres, de 1850 e escrito Nathaniel Hawthorne. Neste livro, o autor também faz uma crítica à cultura aristocrática numa pequena cidade da Nova Inglaterra, colocando em personagens fantasmagóricos e uma casa mal-assombrada o passado vergonhoso da história de seu país que resistia ao progresso e às mudanças sociais. 

Retrato de Uma Senhora é um livro difícil, mas maravilhoso, que pode ser lido sob diversos pontos de vista, principalmente por quem se interessa pela história dos EUA. Minha formação sempre faz eu ir para o lado mais histórico, mas também achei muito interessante como James fala sobre a mulher e o casamento no século XIX. É um autor que constrói grandes mulheres protagonistas, assim como Catherine Hopper, de A Herdeira de Washington Square. Em Retrato de Uma Senhora, Isabel Archer se sente toda hora deslocada, procurando seu lugar e sua identidade. Em alguns momentos ela só quer ser curiosa e aprender, descobrir as coisas. Ao mesmo tempo que existe uma força social daqueles que a rodeiam que manipulam suas ações, mesmo que ela ache que não. 

Finalmente, só porque "Persuasão" é o tema do dia

Para finalizar, e ainda nesse assunto mulher e casamento, bem que o livro poderia ser chamar Persuasão, como a obra de Jane Austen. A palavra em si aparece inúmeras vezes durante a narrativa. Isabel é uma vítima da influência de Mrs. Merle e Osmond e, a todo momento, acontece um jogo de quem consegue persuadir quem, sem que a vítima da persuasão perceba que está sendo persuadida. 

_________________________

Retrato de Uma Senhora foi traduzido por Gilda Stuart e publicado no Brasil pela Editora Companhia das Letras. Há uma versão em e-book para Kindle por menos de 5 reais. 

Hamnet, de Maggie O'Ferrell: breves comentários sobre mulheres, heroínas, espaço doméstico

Não sei porque essa mania de ficar se justificando, mas decidi mudar de ideia e escrever sim sobre Hamnet, minha última leitura, já que aparentemente eu estou com dificuldade de começar um novo livro. Criei um vício bobo de precisar fechar um ciclo de leitura com alguns apontamentos para começar outro? Seria poético. 

O Instagram esses dias me sugeriu a página Literatura Inglesa Brasil e o post de chamada era o do Clube do Livro, que estava lendo Hamnet, de Maggie O'Ferrell e publicado em 2020. Eu nunca tinha ouvido falar do título, tampouco da autora. Só conhecia a história de Hamlet e sabia que Shakespeare tinha tido de fato um filho chamado Hamnet que morreu anos antes que o autor escrevesse a peça Hamnlet. Achei tudo isso interessante e resolvi dar uma chance. 

Foi amor a primeira vista. Que livro magnífico!


Apesar do título e de Hamnet ser um personagem importante, a protagonista é Agnes. As mulheres ocupam um lugar tão importante na narrativa que o marido de Agnes, o famoso Shakespeare, não é uma única vez nomeado em todo o livro. O professor, o marido, o pai, o tutor, etc. Ele é sempre referido de outros jeitos, menos de Shakespeare. Imagina o quanto o poder de Agnes seria diminuído só pelo famoso nome, Shakespeare. 

O livro intercala dois momentos: quando Agnes e o Shakespeare se conhecem, se casam e têm seus filhos, e quando Hamnet e sua irmã gêmea Judith ficam doentes e todos os esforços de Agnes para curá-los. 

Sob o ponto de vista de Agnes, acompanhamos o dia a dia das atividades domésticas, sua conexão com a natureza. Ela gosta de cuidar do jardim, das abelhas, de sua águia de estimação. Ela conhece as plantas e faz remédios caseiros, sendo procurada por toda a vizinhança pelos suas habilidades medicinais. Ela também tem um passado meio curioso: sua mãe, morta quando ela ainda era pequena, veio da floresta, diziam. Agnes é meio selvagem, meio bruxa. Ela tem sonhos premonitórios e ao segurar a mão de alguém e pressionar suas mãos, ela consegue "ver" suas almas e o futuro. Ela causa admiração e ao mesmo tempo medo aos vizinhos. 

Agnes me lembrou muito Morgana, de As Brumas de Avalon. Me lembrou da formação da Inglaterra entre os saxões e os bretões, os bárbaros e os civilizados. Shakespeare era da cidade, urbano, ligado ao comércio e às artes. Agnes era do campo, do meio rural, da terra e da casa. Juntos eles formam um novo povo. 

A lembrança de As Brumas de Avalon também veio pela relação entre as mulheres e suas habilidades com as plantas e os animais, ligando-as aos pagãos e condenando-as como bruxas. Finalmente pela centralidade da mulher na história, colocando os homens, o Rei Arthur e o grande Shakespeare, como coadjuvantes numa história na qual as mulheres, escondidas atrás da cortina do teatro, manipularam situações para que estes homens chegassem onde chegaram. 

Agnes não sabe ler. Durante os longos meses de ausência de Shakespeare, que trabalhava na capital, é sua filha mais velha que lê as cartas recebidas e redige as missivas ao pai. Agnes nem sempre entende o que vem escrito: comédia? atores? teatro? Porém, algo une o casal: ambos entendem a alma humana, mesmo que seja cada um do seu jeito. 

Assim como as peças de Shakespeare conversam até hoje, séculos depois, com a natureza humana, Agnes lia a alma daqueles ao seu redor. Ela entendia suas necessidades, compreendia seus medos, sabia como convencê-los. Agnes é uma ótima esposa, ótima mãe, uma filha que guarda a memória da sua mãe com carinho. Acompanhamos a história dessa mulher no casamento, nos partos e na cama de seus filhos doentes, fazendo de tudo para salvá-los da peste. Depois, acompanhamos o seu luto e o sentimento de que, como mãe, ela havia falhado. 

A autora mistura ficção e história, portanto não podemos acreditar que tudo ali tenha acontecido. O único fato histórico do qual realmente temos certeza é que Shakespeare teve um filho chamado Hamnet que morreu ainda criança. Ele ter sido vítima da peste negra é uma teoria da autora, e ela faz isso de maneira fenomenal, conversando com nossa realidade pandêmica Covid-19. (Lembrando que o livro foi lançado em março de 2020!!) O capítulo no qual acompanhamos a pulga que causou o adoecimento de Judith e Hamnet, saindo de Alexandria, Egito, embarcando em um navio e passando meses em alto mar e atravessando continentes, até chegar numa pequena vila rural da Inglaterra, é fenomenal. 

Enfim, Agnes me fez perceber que em minhas últimas leituras tenho procurado a heroína que não luta pelo seu espaço no mundo masculino. Pelo contrário. Minhas heroínas reafirmam seus papeis dentro do ambiente doméstico e familiar. Como as donas de casa dos contos de Lucia Berlin, as esposas dos contos de Silvana Ocampo, mesmo a personagem Phoebe de A Casa das 7 Torres, e a própria Morgana de As Brumas. São mulheres que na rotina e no cotidiano transformam a vida doméstica daqueles que com elas habitam. Suas grandes habilidades são a arrumação, a cozinha, o olhar atencioso e cuidadoso e às vezes maléfico. As mulheres de Silvana Ocampo, em suas habilidades femininas, são manipuladoras e vingativas. 

Livro recomendadíssimo. Chorei bastante nos capítulos de morte e luto. A leitura é envolvente, bastante visual, e coloca em evidência uma coisa que as vezes é deixada de lado: quando lembramos das mulheres "apagadas" e "esquecidas" da história, não podemos nomear apenas artistas, poetisas, musicistas, cientistas e descobridoras. Se começamos, como sociedade, a falar da "economia do cuidado", então temos também que lembrar de multidões de mulheres que nunca saíram do espaço doméstico e familiar e, nem por isso, não deixaram de ter um impacto enorme nos rumos e na vida daqueles que - de fato - deixaram seus nomes impressos na história. 

Ethan Frome - tragédia, solidão e a Nova Inglaterra de Edith Wharton

Ethan Frome me fez conhecer uma nova face de Edith Wharton. Depois de A Época da Inocência e A Casa da Alegria, saí da Velha Nova York aristocrática para conhecer Ethan Frome, um fazendeiro pobre de uma cidade gelada da Nova Inglaterra. Apesar do cenário diferente, a melancolia de Wharton continua. Li por aí uma crítica desfavorável, não lembro mais onde, que felicidade e vida são incompatíveis nas histórias desta autora, como se Ethan Frome fosse exageradamente e desnecessariamente triste demais. 

Eu concordo que o que eu li de Wharton até agora é muito triste, mas são tragédias que evidenciam a dificuldade da vida e a hipocrisia social. Não acho, absolutamente, que são tristes por serem tristes, tampouco pedantes. São narrativas sempre envolventes que mostram as condições limitantes da vida humana e a promessa de uma felicidade inalcançavel. Além disso, como veremos, o livro onde li Ethan Frome trouxe outros quatro contos, sendo um deles uma sátira divertidíssima. Ou seja, Edith Wharton pode ser também engraçada.  

Obs: como isso é um diário de leitura e a história foi publicada há mais de 100 anos, eu fiz comentários sobre o desfecho do livro. 

Ethan Frome

Publicada em 1911, a história do fazendeiro Ethan Frome é emoldurada pela história de um homem que está passando uma temporada de trabalho numa pequena cidade da Nova Inglaterra, Starkfield. Ele não é nomeado e nos apresenta um pouco a dinâmica daquela comunidade. É inverno, faz muito frio, está nevando muito e ele repara, todo dia, no velho aleijado triste Ethan Frome, que todos os dias vai ao correio, não fala com ninguém e logo depois volta para sua casa. O homem fica curioso, conversa com algumas pessoas e descobre que Ethan é um sobrevivente, tendo saído vivo de um acidente muito perigoso. As condições do tempo pioram e o homem contrata Ethan para transportá-lo até o trabalho todos os dias. Um dia, uma tempestade de neve bloqueia o caminho de volta ao vilarejo e Ethan convida este homem a passar uma noite em sua casa. A partir daí, voltamos 25 anos para o passado e a história de Ethan é contada em flashbacks por uma narrador em terceira pessoa. 

Resumidamente, Ethan Frome é um fazendeiro pobre, que sonhava em ser engenheiro mas largou seus estudos precocemente depois da morte de seu pai, indo cuidar de sua mãe e, depois, casando-se e cuidando da propriedade que herdou. Com medo da solidão e do silêncio, depois da morte da sua mãe, casou-se com Zeena, a cuidadora, para que ela não fosse embora e continuasse a deixar as impressões femininas naquela casa. De saúde debilitada, Zeena recebe sua jovem sobrinha orfã, Mattie, para ajudá-la com as atividades domésticas. Ethan se apaixona por essa moça, que corresponde seus sentimentos. 

Zeena não fala nada, mas percebe o que está acontecendo e constrói um situação na qual uma nova garota será contratada para assumir as tarefas domésticas para Mattie ir embora. Ethan e Mattie ficam devastados e, durante suas últimas horas juntas, eles decidem fazer algo que acaba de forma inesperada. Para nunca mais se separarem, Mattie propõe que eles se suicidem e Ethan acaba cedendo. Só que o acidente não os mata, mas os deixa inválidos para sempre. Ethan aleijado e Mattie paraplégica. No epílogo, voltamos para o tempo presente e descobrimos, pelos olhos do narrador sem nome, que há 25 anos, Mattie e Ethan continuam morando na mesma fazenda sob os cuidados de Zeena. 

Essa tragédia me deixou fascinada. Apesar da paisagem fria e congelante da Nova Inglaterra e da pobreza e miséria em que vivem os personagens de Ethan Frome, há um aspecto similar das outras obras de Wharton que se passam na Velha Nova York: o vazio, a ausência, o silêncio, o não dito, a idealização frustrada do casamento e a procura de felicidade sufocada pelas condições materiais e sociais da vida humana. O que resta é a promessa vazia, relações miseráveis e uma solidão profunda. 

Tanto a história moldura quanto os flashbacks se passam num longo e rigoroso inverno de Massachussets, o que torna a fazenda de Ethan ainda mais isolada do resto do mundo. Tão definitivo é o inverno na vida das pessoas, que a contagem do tempo é feita pelo número de invernos passados. Esse isolamento faz de Ethan um homem frustrado, que abdicou do seu sonho de estudar e tornar-se engenheiro para cuidar de sua família e propriedade. Casou-se com Zeena com o medo do silêncio, apenas para ter mais alguém vivendo sob o mesmo teto. Mas a relação entre eles é tão fria quanto o lugar onde moram. Mattie é a jovem forasteira que chega trazendo beleza, juventude e um frescor para esse ambiente opressor. Ethan sonha com uma outra vida com ela, mas não tem recursos para pedir um divórcio ou fugir com a amada, restando apenas a amargura e mesquinharia de sua esposa. 

Mas veja, o narrador em terceira pessoa escreve principalmente sob o ponto de vista de Ethan e, por isso, neste triângulo amororo criamos compaixão com Ethan e Mettie, enquanto Zeena é a bruxa amargurada da história que trama contra a união dos pombinhos. Porém, Zeena era uma pessoa cheia de vida que iluminava a casa da fazenda e, sob a promessa de que depois do casamento iriam vender a propriedade e mudar-se para uma cidade, aceitou a proposta de união de Ethan. Mas o tempo foi passando, a fazenda não foi vendida e lá eles foram ficando. O isolamento e o frio da região e de seu marido foram tornando sua figura cada vez mais amargurada e hipocondríaca. 

Mattie, a jovem inocente vítima das artimanhas de Zeena sob os olhos de Ethan, também não é tão coitada assim. Apesar de sua obediência e esforço diário nas atividades domésticas e cuidados com a saúde de Zeena - habilidades para as quais ela não tem vocação - confronta sua prima quando pega uma louça escondida do armário. 

Ou seja, esses personagens vivem uma vida que odeiam. Ninguém é vítima, mas as amarras sociais, ou seja, o fato de que não têm dinheiro nem lugar para irem, faz com que eles fiquem presos uns aos outros. Sem conseguir se rebelar, largar tudo e fugir, eles acabam desafiando uns aos outros nas pequenices da vida doméstica. Os confrontos existem e estão lá, mas eles são sutis. 

Estou falando tudo isso porque pesquisando brevemente sobre o livro vi duas coisas. Primeiro, muita gente não gosta do livro. Ele é leitura obrigatória no ensino básico nos EUA e fazer adolescente ler por obrigação um livro desse, completamente niilista e melancólico, com a paisagem fria, congelante, onde pouca coisa acontece, só pode dar nisso mesmo. Por causa desse descontentamento, alguns comentários tendem a diminuir o livro porque tiram sarro de algumas situações, como o prato de picles e o acidente de trenó. Porém, a história se passa no meio do nada, onde é possível fazer menos ainda por causa do frio. É justamente por causa desse vazio que pequenas coisas, como uma louça quebrada, ganham dimensões enormes. Além disso, uma vida dominada pelo tédio, sem televisão, luz elétrica, aquecimento interno, etc, escorregar de trenó na neve é uma das pouquíssimas coisas que sobram para fazer. 

A segunda coisa que vi é a interpretação de que se trata de uma história romântica. Eu discordo desta leitura. Acho que Ethan é um homem infeliz, fraco, que prendeu Zeena nessa situação que ela nunca quis, a ignora como marido, e projeta nestas duas mulheres com quem vive suas frustrações e desejos e acaba tornando tudo muito miserável. 

Infelizmente, colocar livros clássicos como obrigatórios no ensino básico diminui bastante a popularidade da obra. Eu lembro com agonia os livros que fui obrigada a ler no Ensino Médio. Quando somos adolescentes, esses livros são chatos. É preciso ter certa maturidade de leitura para ler Ethan Frome e estar preparado para o nada. Para a ausência. Para o que é dito pelo não dito. Com certeza a leitura dos dois romances anteriores me preparou para isso. 

O meu comentário final se refere à dificuldade da leitura. Como é um livro muito descritivo onde pouca coisa acontece, foi muito difícil ler em inglês. Com certeza demorei mais por isso e várias vezes precisei procurar palavras no dicionário. Nesse sentido, o Kindle ajudou.

Ah, uma outra coisa: recentemente li A Casa das Sete Torres, de Nathaniel Hawthorne, uma história que também se passa numa cidadezinha da Nova Inglaterra. Ethan Frome foi um ótimo complemento, porque enquanto no primeiro a leitura nos coloca num cenário urbano, Wharton nos leva para um ambiente rural. Em ambos, todavia, são as atividades domésticas, a casa e a relação entre aqueles que vivem juntos sob quatro paredes que constituem o motor principal das tramas. 

Os quatro contos

Dos outros quatro contos que vieram no livro, falarei brevemente sobre os dois que mais gostei. Afterward é um conto gótico, no qual um casal norte-americano muda-se para um antigo casarão de uma cidade rural da Inglaterra. Para eles, esta é uma experiência exótica e nesta nova residência eles esperam encontrar fantasmas. No entanto, antes mesmo da compra, eles haviam sido avisados que nesta casa havia sim muitos fantasmas, mas quem os vê, não sabe que os vê. Indignados, eles perguntam novamente "- Ou seja, se você viu um fantasma, você não sabe que viu e vai viver sua vida normalmente? Qual a graça disso?". E a resposta: "Bom, pode até ser que acabe sabendo, mas só depois". 

Essa premissa do conto deixa tudo interessante e o ambiente misterioso da casa é ótimo. A descrição da biblioteca, os vultos, o comportamento estranho do marido e a desconfiança da esposa que passa a duvidar de si mesma tornam a história muito interessante. O desfecho é ótimo! 

Xingu é uma sátira. Um grupo de seis mulheres aristocráticas montam um clube de leitura e estudos e, periodicamente, se reunem para discussões de "alto nível intelectual". Mas a verdade é que elas não sabem nada e fazem isso apenas pela aparência. Até que uma delas volta de uma viagem do Brasil e passa a ser ridicularizada pelo restante do grupo. Durante uma reunião, convidam para o almoço a autora do livro que vinham discutindo e elas ficam perdidas quando a autora, de sacanagem, começa a fazer perguntas cabeludas as quais elas nao conseguem responder. A mulher que voltou de viagem aproveita a brexa e, também por sacanagem, diz que elas estão sem conseguir responder porque nos últimos tempos estavam muito preocupadas com um tema importantíssimo: o "Xingu". Ninguém sabe o que é Xingu, mas todas conduzem a conversa como se soubessem do que estão falando e acaba sendo muito engraçado. 

Eu amo Edith Wharton. Acho uma pena ela não ser muito conhecida no Brasil e não ter mais obras traduzidas. Alguns contos ou passagens mais descritivas têm uma leitura mais difícil. Enfim, leitura magnífica e recomendadíssima. 

_______________________________

No Brasil, Ethan Frome foi lançado pela Editora Penalux, com tradução de Chico Lopes, em 2017. 

Goodbye, Columbus and five short stories - primeira vez lendo Philip Roth nos Estados Unidos

Venho lendo Philip Roth desde 2019, mas esta foi a primeira leitura que fiz nos Estados Unidos. Não é que tudo mudou, mas algo mudou. 

Goodbye, Columbus and five short stories foi o livro de estreia do autor em 1959. Diferentemente dos outros que eu já li, este tem um ritmo mais tranquilo. Não tem aquela velocidade verborrágica de O Complexo de Portnoy ou Pastoral Americana. Adeus, Columbus se passa durante as férias de verão e descreve o romance entre Neil Klugman e Brenda Patimkin. Os dois são de família judias, mas a de Neil é pobre. Seus pais moram em outro estado e ele vive de favor com seus tios. Neil é também o narrador da história e tem um trabalho de baixa remuneração na Biblioteca Pública de Newark. 

Ele conhece Brenda na piscina do clube que está frequentando. A família de Brenda tem uma situação financeira muito mais confortável. Ela é estudante em Radcliff College, Massachussets, e está passando as férias de verão com sua família em Newark. São pelos olhos de Neil que conhecemos Brenda, uma moça atlética, bonita, inteligente, e a sua família. Quando Neil é convidado para jantar com os Patimkin, é com Neil que entramos nos cômodos da enorme casa onde boa parte da história se passa, visualizamos o jardim, acompanhamos a rotina e  conhecemos as personalidades dos integrantes daquela família. 

A diferença entre os Klugman e Patimkin vão além do dinheiro. A mãe de Brenda se diz ortodoxa, seu marido é conservador e Brenda, segundo ela, não segue nenhuma linha. Quando Mrs. Patimkin pergunta para Neil qual corrente ele seguia e qual Sinagoga frequentava, Neil responde "- Eu sou apenas judeu". 

Eu gosto muito como Roth coloca essas questões de identidade, religião e família dentro do espaço doméstico e das relações mais cotidianas da vida, pois são nesses momentos onde as diferenças se tornam mais problemáticas. Estes elementos já eram bem sensíveis para mim nas outras leituras, mas este livro trouxe uma vivência nova para mim. Aqui nos Estados Unidos estamos entrando na primavera depois de um frio horroroso, as temperaturas estão subindo, e as aulas já acabaram para dar início às férias de verão. Aqui as estações são muito bem demarcadas e há uma vontade coletiva de aproveitar cada segundo as altas temperaturas do verão. Por isso, as férias longuíssimas que começam em maio e vão até meados de agosto. 

Brenda estuda em Massachussets, na Nova Inglaterra. Um lugar frio e desagradável (eu acho desagradável sim) para passar de 3 a 4 meses na casa dos seus pais apenas curtindo as férias e o calor, indo para a piscina, jogando tênis, saindo com os amigos. É um momento fora da realidade. Com data e hora para acabar. Já aprendemos nos filmes da Sessão da Tarde que qualquer romance que começa numa férias de verão é como um sonho e que, na chegada do outono, precisa encarar a realidade. Assim, já é esperado que Brenda vá embora de Newark no fim das férias. A dúvida que resta é como será o desfecho do romance entre o casal. 

Ler ou já conhecer o lugar sobre o qual o autor fala também nos dá uma dimensão muito palpável do que ele está descrevendo. Na passagem em que Neil e Brenda vão para New York para que ela se consulte com um médico em frente ao Central Park, eu senti que estava lendo algo muito familiar. Por mais que seja uma delícia voar para outros mundos e realidades através da leitura, a proximidade com certos elementos - como a descrição da esquina onde estava o consultório - cria uma relação diferente - diria até íntima - com o autor e sua obra. 

É uma história curta, gostosa de ler. As questões das famílias judaicas americanas ficam nas entrelinhas - salvo alguns momentos específicos como este breve diálogo entre Mrs. Patimkin e Neil. É um ótimo livro inicial para quem nunca leu Roth, pois O Complexo de Portnoy pode assustar um pouco, e Pastoral Americana e A Marca Humana é de uma leitura frenética que nos impede de suspirar. 

Junto com Goodbye, Columbus, vieram cinco contos - ou short stories. Algumas já haviam sido publicadas em revistas. Mais uma vez vemos elementos como identidade, subjetividade, as famílias judias nos Estados Unidos e seus descendentes, os dogmas e fanatismo religioso. Veja o que eu acho louvável em Roth: em seus livros - e nestes cinco contos - ele fala do deslocamento do homem judeu nascido na América, o preconceito, a sensação de estar fora do lugar, os traumas históricos, colocando um olhar crítico também dentro deste círculo. Seus ataques afiados não se limitam do fora para dentro dessa comunidade, mas também traz críticas severas que ficam dentro deste grupo. Não há vítimas nas histórias de Roth. Todo mundo é ambíguo e problemático: quase uma questão genética. 

Dentre os cinco contos, The Conversion of Jews, Defender of the Faith e Eli, the Fanatic, foram meus favoritos. Na primeira, um menino judeu curioso chamado Ozzie, pergunta ao Rabino por que Deus, que é absolutamente todo poderoso, não poderia ter engravidado Maria sem relação sexual e, portanto, ter tido um filho com ela. Por que, ele se pergunta, se Deus criou até a luz, ele nao poderia ter um filho sem penetração com uma mulher? O resultado para o pequeno Ozzie não é agradável. Ao invés de receber uma resposta satisfatória, ele apanha do Rabino e sangra. Sua mãe também reprova seus questionamentos. No dia seguinte, ele sobe no telhado e, diante de uma ameaça, faz todos reconhecerem que Jesus era sim filho de Deus. Neste conto, Roth faz uma alusão à passagem bíblica Romanos 11:25, que prevê a conversão de todos os judeus ao cristianismo como um evento do fim dos tempos. Roth é sempre muito simbólico, mas este conto consegue ser desesperadamente simbólico. 

O segundo conto dentre meus favoritos, Defender of the Faith, conta a história de um tenente judeu americano, Marx, que lutou em batalhas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial e agora está recrutando e treinando novos soldados em Missouri. No seu campo de treinamento ele conhece três soldados judeus e um deles, Sheldon Grossbart, procura insistentemente benefícios e regalias justificando a origem judia comum entre eles. Ele se diz defensor da fé por requisitar dias de descanso, saídas para almoço em família, comida kosher e tudo o que lhe permitisse continuar com os rituais religiosos apesar do ambiente e rotina militar. 

Num determinado momento, o superior de Marx, o Captain, fala para Grossbart que Marx estava há 3 anos e dois meses no exército, sendo um ano em combate, e que o Lieutenant nunca havia pedido saídas especiais, tampouco comida diferente. Grossbart responde que isso acontece porque algumas coisas são mais importantes para alguns judeus do que para outros. E o Capitão responde:

- Look, Grossbart. Marx, here, is a good man - o goddam hero. When you were in high school, Sargeant Marx was killing Germans. Who does more for the Jews - you, by throwing up over a lousy piece of sausage, as piece of first-cut meat [porque não são kosher], or Marx, by killing those Nazi bastards? If I was a Jew, Grossbart, I'd kiss this man's feet. He's a goddam hero, and he eats what we give him. 

Olhando este diálogo, fica a questão: quem é aqui o defensor da fé? 

Enfim, quando publicado, este conto foi muito mal recebido pela comunidade judaica, que acusou Roth de ser um self-hating jew

Finalmente, Eli, the Fanatic, conta a história de Eli, um advogado judeu que mora numa comunidade com protestantes que se vêem "ameaçados" pela chegada de judeus ortodoxos. Fugindo dos combates da Segunda Guerra, estes judeus se instalam nessa pequena cidade americana com vários meninos e começam a montar uma escola Talmund Torah. A violência já começa com a tentativa de segregação no processo jurídico que a atual comunidade - de judeus e protestantes - querem abrir contra a instalação dos recém-chegados.  Mas tudo ganha uma nova dimensão quando o advogado veste as roupas negras do seu "inimigo" e ele mesmo se torna o "outro". 

Recomendadíssimo. Com certeza um dos melhores livros que lerei este ano. Vi na Amazon Brasil que tem uma edição da Companhia da Bolso e disponível também para Kindle. 

_______________________________________________

Alguns links interessantes: 

Retrospectiva sobre a publicação de Defender of the Faith, em 1959, pela The New Yorker. Matéria publicada em 2010.

Conto Defender of the Faith. The New Yorker, 1959.

A boy and His dogma: On Philip Roth's "The Conversion of the Jews", by Michael Byers, at Fiction Writers Review. 

Brevíssimos comentários sobre O Monge, o livro do Clube de Leitura de Abril

Acabei de ler O Monge semana passada, mas não sei muito bem o que falar dele e fiquei enrolando até hoje para escrever algumas linhas. Li porque foi a leitura programada deste mês do clube do livro. A sinopse me pareceu interessante, ouvi falar muito bem, mas não é um livro da minha caixinha. Eu não leio muito coisas escritas antes de 1850. Na verdade, até pouco tempo atrás, minhas leituras eram muito mais século XX e só nos últimos meses tenho lido mais século XIX. O Monge foi escrito pelo inglês Matthew Gregory Lewis e publicado em 1796! Século XVIII é um pouco longe demais para mim. 

Não é que eu não gostei! Eu gostei bastante sim! É uma narrativa cheia de surpresas. Um eita atrás de eita! Só não rolou aquela identificação. 

O livro conta duas histórias paralelas, cujos personagens se entrecruzam no tempo e espaço. A maior parte se passa na Espanha, dentro de um convento, um mosteiro, e umas ruínas subterrâneas labirínticas que compartilham o mesmo subsolo destes dois edifícios.  Dada a época e local, a Inquisição é uma instituição muito presente, apesar de só no final ela aparecer de forma mais concreta. A burocracia, a estrutura de poder, a moral repressora da Igreja Católica sobre as pessoas e suas relações com os outros e seus próprios corpos... Tudo isso aparece o tempo todo. 

Em uma história, acompanhamos o Padre Ambrosio* que, ao ser seduzido por uma mulher, descobre as tentações da carne e não consegue mais fugir de sua luxúria. A outra história é um romance de cavalaria. Acompanhamos Dom Raymond, um cavaleiro, sua mulher amada Agnes e Lorenzo, irmão de Agnes e amigo de Lorenzo. Por causa de uma promessa feita no nascimento de Agnes pelos seus pais, a moça é prometida a Deus, mas ela e Raymond são apaixonados um pelo outro. Por causa de mil infortúnios, ela não consegue fugir de seu destino e acaba se tornando freira. Nesta história acompanhamos seu amado e seu irmão tentar de tudo para resgatá-la das paredes e regras opressoras do convento. 

As idas e vindas de Raymond, Agnes e Lorenzo eu achei mais legal. Na longuíssima introdução destes personagens, Raymond faz uma retrospectiva e conta suas aventuras aos redores de Paris numa casa de um grupo de bandidos que quer matá-lo, depois sua ida a um castelo em Strasbourg, onde conheceu Agnes, sua experiência de quase morte nas mãos de um fantasma, seu exorcismo e, finalmente, seu retorno a Madrid para salvar sua amada. Essa parte é muito legal, principalmente quando uma confusão entre Agnes e a fantasma que assombra o castelo, a Bleeding Nun, acontece. Raymond também tem um escudeiro, Theodore, que escreve poesia, é jovem e animado. Essa parte do livro lembra um pouco Dom Quixote e foi uma delícia ler. (Aliás, a Bleeding Nun é um personagem muito interessante!)

A primeira metade do livro é divertida: na história de Ambrosio, um eita atrás de eita, e na história de Agnes, Raymond e Lorenzo, uma aventura cavaleiresca com toques fantasmagóricos. Na segunda parte, no entanto, comecei a ficar cansada. 

Século XVIII, Inquisição, Deus, Diabo. Existe uma discussão moral muitíssimo forte. A culpa, a tentação, o pecado, o perdão, as instituições religiosas, etc são temas aparecem em longos sermões, diálogos e fluxos de pensamentos num estilo rocambolesco. Ninguém no século XVIII vai direto ao assunto. Normal. Só que isso deixou a leitura cansativa e no final eu só estava "ai, tá bom, vai logo". Só frizando: são temas e assuntos sobre os quais não leio muito, que não estão em minhas leituras rotineiras. Então não tenho muito o que falar sobre tudo isso. 

De qualquer maneira, o livro tem um grande valor. Ainda mais para lembrar que só porque existiam instituições reliogiosas muitissímo rigorosas, as pessoas não deixavam de  pensar e falar obscenidades, não deixavam de fazer sexo e não desafiavam as regras institucionais. Durante um semestre na faculdade cursei a disciplina de História Medieval II, que foi quase um curso de como os homens medievais eram pervertidos. Praticamente um grupo de whastapp de homens dos dias de hoje impressos em pinturas, literatura e esculturas nas paredes de todos os edifícios possíveis numa estética medieval. 

Enfim, se eu fosse dar uma avaliação de estrelinhas, eu daria nota 3 - relativamente recomendado. O livro é bom, divertido, mas não fez aquela conexão com meus gostos e assuntos de interesse.

_______________

* Esquerdo-macho do século XVIII, que tem um papinho sedutor e as meninas amam.

O Mundo da Escrita, de Martin Puchner: um livro ambioso

No começo do ano comecei a ler O mundo da escrita: como a literatura transformou a civilização, de Martin Puchner, com tradução de Pedro Maia Soares e publicado pela Companhia das Letras em 2020. Ele estava há algum tempo no meu kindle e por isso viajou comigo para os EUA. 

Os capítulos são mais ou menos curtos, então decidi que leria um capítulo por vez sem compromisso. Não gostei da experiência. Levei quatro meses para terminar e acabou me faltando um pouco aquela sensação de linearidade que perpassa uma obra - mesmo que os capítulos sejam mais ou menos independentes. 

A proposta é ambiciosa: entender como a escrita foi decisiva para os rumos da história. Para isso, ele parte das primeiras narrativas orais e surgimento da escrita (tanto no aspecto social quanto tecnológico) e chega até os dias de hoje, com o fenômeno Harry Potter e a internet. Puchner nos mostra que coisas que nós tomamos como naturais, na verdade não são. Como por exemplo: a junção da escrita, criada para fins administrativos, com as narrativas orais. O surgimento da literatura não foi óbvia. Também nos mostra o processo de inscrição de mitos de criação e o surgimento de "textos sagrados". Puchner também investiga o desenvolvimento tecnológico ao longo da história da escrita: pedras, papiros, códices, a imprensa, computadores, internet e tablets. 

Sua ambição não acaba aí. Ele analisa geograficamente todo esse processo histórico, recuperando exemplos em todos os continentes e mostrando as particularidades de cada civilização. Também explora a questão de grandes mestres que entraram para o mundo da escrita sem nunca terem escrito uma palavra, como Buda, Jesus, Sócrates e Confúcio. E por que os textos escritos pelos pupilos destes grandes homens se tornaram ora textos sagrados ora textos filosóficos?

Um livro desta ambição pode apresentar um grande problema: exaustão e superficialidade. Acho que o autor lida bem com essas questões. É um livro cansativo sim, especialmente nas partes que ele conta as viagens pessoais que ele fez como pesquisa, mas não tanto. Uma leitura sem compromisso funciona bem. A superficialidade também existe, mas não é rasa. Ela é uma introdução a uma série de assuntos interessantes com os quais dificilmente teríamos contatos. 

Por exemplo, o capítulo sobre o Romance de Genji, "o primeiro grande romance da literatura universal que foi escrito por uma dama de companhia da corte japonesa por volta do ano 1000". A história da poetisa e escritora Murasaki Shibiku é interessantíssima. Numa sociedade de corte extremamente rígida em questão de gênero, ela aprendeu a literatura chinesa de forma clandestina para então escrever o Romance de Genji. Mais velha, já afastada da literatura, ela registrou toda sua história em um diário. 

"Depois de ter sido casada com um homem mais velho e ter sido acompanhante de uma princesa, a identidade que ela escolheu conservar foi aquela que adquiriu por iniciativa própria: a de escritora." (p. 169) 

Outro capítulo favorito é o da poetisa russa Anna Akhmátova. Nos capítulos anteriores, Puchner procura entender o surgimento de manifestos e o desenvolvimento de uma tecnologia e distribuição de um gênero que possibilitou revoluções e quedas de regime até chegar na União Soviética. Em seguida,  tomando como exemplo a vida de Anna Akhmátova, ele procura entender como, apesar de todos os avanços tecnológicos de inscrição e reprodução, um estado autoritário levou a poetisa à métodos pré-Gutemberg: narrativa oral e memória. Como não podia criar registros incriminatórios, Anna Akhmátova reunia suas amigas em torno de uma mesa de chá e cada uma era responsável pela memorização de certas estrofes. Mulheres russas no século XX, em torno de uma mesa de chá, subvertendo o governo por meio de memorização e narrativa oral. 

"O trecho mais revelador [do poema Réquiem] falava de mulheres, mães e esposas que se reuniam todos os dias diante de uma prisão, esperando para saber se seus entes queridos tinham sido executados ou exilados. 'Queria chamar a todas pelo nome/ Mas tiram-me a lista e não há como saber'. 

O poema em construção estava seguro enquanto Akhmátova memorizasse cada seção e queimasse imediatamente, mas sobreviveria apenas enquanto ela mesma sobrevivesse. Para que vivesse, o poema precisava ser compartilhado, ocupar a memória dos outros. Com cautela, Akhmátova convocou suas amigas mais próximas, não mais que uma dezena de mulheres, e leu o poema para elas muitas vezes até que o decorassem."

Mas outros capítulos também são interessantíssimos, como a prática de indulgência da Igreja Católica e sua relação com o desenvolvimento técnico da imprensa. Ou então, como o fenômeno Dom Quixote pode ser reconhecido como a primeira obra dentro de um mercado literário moderno tal como conhecemos hoje: autoria, direitos autorais, mercado, plágio. 

O livro é interessante e me fisgou pela sua introdução. Eu recomendo baixar uma amostra pelo Kindle e ler só a introdução. (risos) 

Puchner faz uma interpretação belíssima da leitura de passagens do livro de Gênesis pelos três astronautas norte-americanos no momento em que pisaram na lua. Do espaço, para um público imenso que assistia da Terra, a leitura dessa obra remetia à Guerra Fria e seus rivais russos. Iúri Gagárin, o primeiro homem a viajar para o espaço, disse quando retornou à Terra: "Olhei e olhei, mas não vi Deus". Essa anedota é também um resumo da história da civilização ocidental que dependeu da criação da escrita e o registro impresso de uma mitologia que veio a se tornar um texto sagrado, a Bíblia. Como ele vê toda a história da humanidade neste único ato é simples, didática e, ao mesmo tempo, complexa. Ele explora muitas camadas de significados neste ato que, a princípio, parece inocente, ou não tão importante assim. 

"Mas a lição mais importante da Apollo 8 diz respeito à influência de textos fundamentais como a Bíblia, textos que acumulam poder e significado ao longo do tempo, de tal modo que se tornam códigos-fontes para culturas inteiras, contando aos povos de onde eles vieram e como deveriam levar suas vidas. No início, esses textos eram frequentemente repetidos e transmitidos por sacerdotes, que os reverenciavam e os preservavam no centro dos impérios e nações. [...]

A União Soviética havia sido fundada com base nas ideias articuladas num texto muito mais recente do que a Bíblia. O Manifesto do Partido Comunista, escrito por Karl Marx e Friederich Engles e avidamente lido por Lênin, Mao Tsé-Tung, Ho Chi Minh e Fidel Castro, tinha apenas 120 anos, mas procurava competir com textos fundamentais mais antigos, como a Bíblia. [...]

Lá no espaçoo, tratava-se de uma batalha de ideias e livros." (p. 13-14)

Enfim, livro bom. Não ótimo. É ambiocioso demais querer falar sobre todos os lugares ao longo de toda a história humana, mas cumpre bem o propósito de nos ensinar coisas novas e atiçar nossa curiosidade. Como um ponto de partida, ele é excelente. Finalmente, essa leitura também me ensinou que não nasci para ler mais de um livro ao mesmo tempo. Melhor continuar a passos de tartaruga e com um de cada vez.

Eight-day trip in Texas (Dallas, Odessa, Alpine, Big Bend and Austin) - Spring Break

For the first time, after eight months living in New York City, Allan and I had some time (unfortunately not money, but we made it anyway) to travel within the US and enjoy our one-week spring break (March 11th - 18th). We were tired of NY: the winter, the snow, the noises, the "everything is so expensive!", the typical new yorker rush and bad mood, the subway, the dirty, etc. So Allan, who planned the whole trip, chose the completely opposite of what we were living: we will go south, he said. No more Yankees. We will go to the Southest we can. So he took me to the US and Mexico border. 

This was our first time in Texas. Everything was new and different. Besides having fun and feeling the sun on my skin after so many months, this trip was also a kind of an anthropological experience. I am going to list, day by day, our itinerary and the remarks of each day. This is neither a travel guide nor an analyses of my observations. This is just a small note so I can remember things in the future when I get old. Besides, I'm writing in English which is NOT my native languages. Many mistakes, but I don't care anymore like I used to. 

Day 1 - Dallas

We arrived in Dallas in the morning. We barely left the airport and we saw the cowboys and cowgirls. I loved their style of boots, hats, belt. The cowgirls have a beautiful fancy-country style. The weather was not so pleasant, but it didn't mind. We just needed to eat and sleep. So we took advantage of the tex-mex cuisine (the first tex-mex meal of the whole trip) and of silence. Yes. Absolutely no sirens, no horns, no people screaming on the street. We slept like babies. 

First meal was half tex-mex half southern cuisine. Quedasilla as starter and crab cake sandwich as main. Absolutely delicious.

Day 2 - Dallas and Odessa

Now the fun began. We woke up very early because we had until noon to enjoy downtown Dallas before taking the car and going to Odessa. But, first things first. As a Brazilian, hotel breakfast in the US is a little bit frustrating. Much cereal, oatmeal, suspicious scrambled eggs, waffles, watered coffee and TOO MUCH garbage. Everything was disposable: plates, silvery, cups. I was not comfortable at all and this situation was the same in every hotel we stayed in Texas. 

Breakfast hotel. WHY SO MUCH UNNECESSARY PLASTIC??

The image I had of Dallas was from the movie Dallas Buyers Club. I imagined cattle, cowboys, and rodeos. However, now I'd say Dallas is half cowboy half JFK assassination. Every where you go in Dallas is about Kennedy. There is a memorial (beautiful, btw) for the president and then we took a tram tour around Dallas downtown that followed all the steps of the ex-president murder. We started riding on the same avenue in which he was parading minutes before he was murdered, than we stopped at the spot where he got shot. On the pre-recorded narration we listened while we were riding, SHOT SHOT SHOT. It was terrifying. I was really scared. I felt I was living a true crime episode of Netflix. It is surprising the attraction for murder history and gun violence in the United States. It is morbid. 

Allan in front of JFK Memorial Plaza. It is supposed to be an open tomb. It is beautiful and intense. 

The exactly spot where JFK got shot. 

At noon we came back to the hotel to checkout and get straight to Odessa, where we would spend a night before our main destination. It was a 7-hour drive from Dallas to Odessa. We got really tired, but this was our first road trip in the US. In a comparison with Brazil, a few observations: people here are MUCH more educated in traffic, the roads are in great condition, there are not old cars and trucks. The road culture is friendly, respectable, secure and comfortable. After we left the urban area, wind farms. Only turbines. There were so many. We spent hours driving and all we could see were turbines up to the horizon. It looked like a science fiction landscape.  

Many hours driving within this landscape. 

After some time, when we were getting close to Odessa, the landscape changed. Innumerous pumpjacks extracting petroleum. So many. Then, the oil refineries. Odessa was, indeed, a very ugly city which main activity was oil refinery. 


The oil refinery above and pumpjacks on the horizon. 

Wind farm, oil refinery, pumpjacks: in the end it is all about natural resources, energy and consumption.

Day 3 - Odessa and Alpine 

In Odessa we woke up very early (again) to go to Walmart to buy some groceries for the next part of the trip. So, this is important. Living in NYC is not living in the US. This was our first time, in seven months, at Walmart, THE great symbol of American consumption. We fueled the car, bought water, snacks and food. At noon we were checking out and, before Alpine, we stopped at The Monahans Sandhills State Park that was along the way. After some pictures, we went straight to Alpine, our main destination. 

A father and his son were flying kites on the top a sandhill at The Monahans Sandhills State Park.

The landscape between Odessa-Alpine was only desert. No pumpjacks, no cities, no windfarm. It's desolating. Only the road, the desert and the sun. When we arrived in Alpine, I was exhausted and feeling nauseous because of so many hours in the car and the sun. We took a while to leave the hotel to have dinner. The city is so small, around 6000 habitants, that there were no restaurants opened after 9pm. Our only option was a bar of road bikers, called The Old Gringo that serves beer and tex-mex. There is also a stage for music presentations. We are not used to see presentations "for free" in NYC and food was half of the price of NY. We were so happy. 

Day 4 - Big Bend National Park 

The Big Bend National Park was our main destination in Texas. We had never been in a US national park before so I didn't know what to expect. It. Is. Amazing. Alpine was one of the closest city, however it was a one-hour driving to the park entrance and then more time driving inside the park (usually 30/45 minutes) to the places we wanted to see. It is huge and so far away. There was absolutely no internet connection. As new comers, we didn't know what to do, so we chose the first trail because it was the closest one from where we were and, according to the description, it looked nice. 

Trails in Brazil are always dangerous. A guide is needed, there is no infrastructure, I always get bitten by mosquitoes, I always fall and get hurt. This time I was afraid of getting lost or being bitten by a snake. However, at the park, the trails are very well delimited. It is impossible to get lost. There are no losing rocks, so it is easier to walk and not slip and fall. It is the most democratic experience I have had in my life. There were so many families on these trails. Old people, babies, children. There were also many trails designed for people with disabilities, so everyone could be there. When I noticed how accessible the park was, I confess, I cried a little bit. 

In the first trail, we walked in the desert until we reached that canyon on the horizon. The we walked a little bit inside the canyon itself. There was only the two of us, Allan and I, and we spotted an animal named Aoudad, an exotic kind of sheep. It was beautiful, very touching. The silence and the animals moving graciously.

There was a small museum telling the history of paleontological excavations within the park limits. The dinosaurs we see in Jurassic Park used to lived in this area. Before it was a desert, a long time ago in geological time, this area was the bottom of the ocean.

The second trail, we went to the top of a mountain. We could have seen bears, but there were so many people on this trail, it was noisy.

It was late in the evening when we left the park. On our way back do Alpine, we stopped in Marathon, a town of 400 habitants. We were hungry. We desperately needed to eat. The only opened restaurant was a hotel-restaurant, very fancy, named White Buffalo. People there were so fancy with their leather hats, books and wine bottles. Allan and I were smelling, dirty, but we stayed, we were very well attended and we had a wonderful meal. The women were wearing long skirts, boots, hats that had a feather as a detail, and make up. The only thing we didn't like were the cocktails. Probably we are spoiled because in Sao Paulo and NYC we have access to so many wonderful cocktails that, this time, they were awful. 

In the bathroom, old pictures of cowgirls. 


Day 5 - Big Bend National Park

We drove on the Scenic Drive, which is a road with many special stops where you can park and overlook beautiful landscapes. 100% accessible. That was wonderful. We also went to one of the main attractions of the park, the Santa Helena Canyon Overlook. Once again, everything incredibly beautiful. Because it's an important attraction, it was crowded. There were so many people, so many families. We could walk in the river and the water was freezing. This was the moment we saw a family in which the father was carrying a gun on his waist. Again, it is really complicated for me trying to understand this adoration for guns. I kept thinking a lot about it. We were in the park, walking on the river, only families... Would he protect his family from a fish? From a coyote? Anyway... 

Overlooks 100% accessible. 

The Santa Elena Canyon. 

The Rio Grande, the border between Texas and Mexico. 

Then we went to an archeological site. Before that area became a national park, people used to farm over there. Although it is desert, some months of the year it rains a lot and it floods, so they managed to have few kinds of plantations. At the archeological site, there are ruins from the old farmer's house, a storage place and a guest house. Of course that on this site there were no one, except for Allan and I. An eagle came very close. It was there for a long time. Actually, we left and it was still there. 

The archeological site. 

Our eagle friend. 

Of course that, back to Alpine, it was late and no other restaurant was opened but The Old Gringo. Once again, The Old Gringo was saving us with tex-mex, live music and cheap beer. 

Tex-mex at The Old Gringo. 

Day 6 - Big Bend National Park 

We wanted to go to a thermal spring in the park. However, the whole torcida do flamengo had the same idea. It was crowded, but along the way to the hot spring there were ruins of the middle of the century from a spa/hotel that they built in that area. 

Then we went to see something really special for me. Since last year I have been passionately reading Lucia Berlin. She sometimes mentions the Rio Grande, the natural border between Mexico and Texas. It was very touching to see and to be so close to something that she described and talked about in her short stories. On the other side of the border, there was a pickup truck playing Mexican music - really loud. 


We went back to Alpine. It was early and we could eat somewhere else then The Old Gringo. We chose another restaurant and the food was spectacular. Then we did something we hadn't had the time before: walk around and get to know the town. Years ago, the railroad used to divide the town in two: on one side the Americans lived and on the other side, the Mexicans. So, at the Mexican side we can see these adorable adobe houses - that, once again - I got to know in Lucia Berlin's short story. 

More tex-mex. Yes, so much cheese was making me feel very sick. 

The Old Gringo that saved us several times - with live music! 


Murals are very common. Even inside the houses there were painting on the walls. 

An adobe house. 

Not in flood season, Rio Grande seems small and gives the false idea of a fragility natural border between countries. However, all the time we saw warnings of what we should do in case we saw something suspicious regarding illegally cross border and on our ways there were border patrol stations. 

Border patrol station. 


Day 7 - Road trip to Austin 

On the seventh day, we woke up early, had breakfast and soon we took the car to a long road trip to Austin. This was the most cool road trip ever. Unlike the landscapes with pumpjacks, refineries and windfarms from Dallas to Odessa, this time the landscape was wilder. Only desert and mountains. There were few stops on the road and from one little town to another we had to drive a lot. So we had a little bit of trouble for bathroom and food. 

The only thing very sad was the dead animals on the road. On the whole trip we saw many coyotes, birds and boars that were hit by cars and died. But at this time there were  more of them and many deers also. It is really sad and even sadder that you get used to it while driving. I could only remember the book from the Brazilian author, Ana Paula Maia, Enterre seus mortos.

Our first stop was to have lunch and fuel the car. It was a small town and in front of the gas station there was this cute and colorful restaurant. Inside, everybody spoke Spanish and there were 3 sheriffs having lunch. It looked like a movie scene. (I miss all these colors in Texas. NYC is such a grey city).

This was our last tex-mex meal. Delicious, but my body could not stand any more cheese. 

The whole trip had a country type of landscape. We saw many ranches and farms, specially pecan farms. Closer to Austin, we passed through Fredericksburg, a town founded and occupied by German settlers. There were many peach farms and wineries. It was so curious, because I didn't know that Texas produced wine. I wanted so much to spend at least one night in this area. It is curious to think about this European settlers in Texas. We see hispanos, cowboys, black people... German descendants were a surprise for me. 

We arrived late in Austin. Just the time to checkin and have a quick dinner. We discovered that there was a festival happening at the same time. I looked on the internet and it is a famous and enormous festival for "creative people". I still don't know exactly what it means. Anyway, streets were closed, chaotic traffic, many strange people wearing stranger outfits. We didn't fit in. So after bath and dinner, we called it a day. 

Day 8 - Austin

We walked from the hotel to the Capitol and then to The Bullock Texas State History Museum. After one week traveling through Texas, we went to see their history (ironies of life). Many surprises: we didn't know that for a short period Texas was a nation! Yes. A totally independent country. We also didn't know that during the Civil War, Texas was fighting among the Confederacy States and they are very - VERY - proud of their history. 

We also learned why the symbol of the state is a star. It is related to the masons. However, curious thing: if you paint it in red, it will be exactly like the start at The Museum of Communism in Prague. 

The star in front of The Bullock State Museum of Texas. 

The star at The Museum of Communism in Prague. July 2019. 

After lunch, Allan searched on internet one last experience we wanted to have in Texas: a rodeo. He bought the tickets and we went to the outskirts of Austin (around 40 minutes driving) where there was an arena. We had never been in a rodeo before, even in Brazil. Around the arena there was an amusement park, but we arrived late and we went straight to the arena. So many hispano hablantes. So many Mexicans. That place was not touristic, so many people there were low income and they go with families. Many children dressed up like cowboys. Really cute. 

The rodeo presentations were nice. I was afraid I was gonna feel sad or bad, but it was more like a party. Besides, I was happy for being in a place more authentic. I hated the festival atmosphere that was happening in Austin. After the rodeo presentations, there was a concert - I suppose Taylor Swift and other country artists started their careers singing and playing in rodeos like this? I don't know. 

We saw a little bit of the concert and then we went to the amusement park. There were so many teenagers, families speaking in Spanish and Allan and I speaking in Portuguese. hahahaha Soooooo cool! It was crowded, so we couldn't go to many attractions, but we went to the roller coaster and the ferris wheel. We ate popcorn, candy apple and pizza. Like the movies. 

While we were waiting to park at the rodeo arena, this man was greeting the ones in the line. 

The ferris wheel. 

One presentation at the rodeo. A family of three (father, son and mother) had each one a horse and they performed a beautiful presentation. They were wearing Mexican outfits. 

In how many United States have I been in this 8-day trip? How many Texas have I seen? So plural. So many new things each day. I am thankful Allan took me to take this trip. Hope there will be others in the future.