Mês 3 (três) em Nova York – a vitória dos ratos

Esses dias, num sopro de inspiração, peguei um livro e fui ao Central Park. Banco na sombra, outono, raios de sol, brisa agradável. Me senti numa cena de filme ou num desses seriados de comédia romântica com risadas gravadas ao fundo. O momento parecia tão mágico que ouvi um barulhinho de folhas secas se movimentando e logo pensei ser um esquilo. Estava com o celular na mão para tirar foto e  mandar para o grupo da família quando vi que era um rato. 

Além de falar inglês, o rato nova-iorquino é bem nutrido. Não se compara aos ratos que eventualmente vi em São Paulo. Na Big Apple, o rato está mais para uma capivara bebê do que para um roedor. Me pergunto como uma das maiores e mais cobiçadas cidades do mundo não conseguiu controlar ainda sua população de roedores. Cheguei na teoria de que, na verdade, já viraram moradores permanentes e são eles que permitem nós vivermos aqui. É só prestar atenção nas sutilezas. Por exemplo, todo mundo já viu, ou pelo menos já ouviu falar no filme Stuart Little, cujo roteiro é de um ratinho órfão adotado, amado e cuidado por uma família de humanos.  

No contexto mundial, a relevância do rato nova-iorquino só é meaçada pelos ratos parisienses que, tão famosos quanto, também têm um filme só para eles. Mas na versão francesa, o protagonista-roedor quer ser um chef. Numa inversão de valores, não só o rato passa a alimentar o humano, como também faz de tudo para agradar seu paladar. É o ápice da domesticação. Reflito qual dos filmes é pior: aquele no qual o rato é amado e cuidado como se fosse uma criança ou aquele no qual o rato, escondido sob o chapéu de cozinheiro, manipula seu amigo humano desprovido de habilidades motoras e dom culinário. 

Os egípcios cultuavam os gatos e os hindus vêem sacralidade na vaca. Com certeza, em Nova York, o animal sagrado é o rato. Sua onipresença foi normalizada e o nova-iorquino, submisso, docilmente vai cedendo mais e mais espaço. Eu mesma, no dia do parque, logo me levantei e o deixei sozinho contemplando o dia de outono. Não quis incomodá-lo e saí pedindo desculpas. Outro dia, na corrida matinal, um rato repousava sem vida na pista de exercício. Presenciei um quase acidente entre um ciclista e um corredor que, ao desviarem do corpinho sagrado, quase se chocaram. Antes um acidente entre dois esportistas do que alguém encostar e ferir a integridade do pobre animal sem vida.

Em toda sua existência, o homem procurou entender e controlar a natureza para sua própria sobrevivência e desenvolvimento social. Somente com o avanço da ciência pudemos compreender fenômenos naturais que antes eram explicados pela imaginação humana. Leviatãs, monstros e seres mitológicos eram representados como inimigos que deveriam ser combatidos e enfrentados. Século XXI e, apesar de tanto progresso, os homens continuam sem entender a natureza. Destróem florestas, poluem mares e ecossistemas inteiros enquanto na cidade-capital do mundo quem reina são os ratos. Animais estes que, longe de inimigos, são representados como inocentes roedores órfãos e aspirantes a chef de cozinha. 

Com tanta personalização, temo pelo dia que verei ratos sobre as duas patas traseiras, tal como os porcos de George Orwell, pedindo para verificar a validade do meu visto. 


A obsessão do nova-iorquino com ratos é tamanha que no último domingo fomos de bicicleta até uma feira de antiguidades e artesanato e encontramos estes aventais a venda. 20 dólares cada. 

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