Retrospectiva de leituras 2023: o ano que tudo mudou

O ano de 2023 foi o mais desafiador e maravilhoso da minha vida. Comecei o ano de um jeito e acabei com a neném mais linda no meu colo e sob os meus cuidados. Minha primeira gravidez. Meu primeiro bebê.

Como ficaram os livros numa fase da minha vida onde toda a minha energia era voltada para a gestação de um serzinho? Bom, para além de todas as mudanças hormonais e mecânicas do meu corpo, meu cérebro também decidiu concentrar-se apenas no que era importante e a leitura consumia uma energia que eu não tinha mais disponível. 

Por um bom tempo, eu fiz uma pausa de livros e maratonei Sex and the City

Antes da gravidez, até fim de março, eu devorei duas trilogias de ficção científica de Jeff VanderMeer (ele é todo ligado à questões ambientais e suas redes sociais são bem interessantes): Southern Reach (Comando Sul, na edição brasileira) e Ambergris. Ambos falam de uma espécie de "fim de mundo" que não encara o fim como ruptura, mas sim um processo de transformação (exatamente o que viria a ser o futuro pra mim e minha transformação como mãe). Aniquilação, primeiro volume de Southern Reach, tem uma adaptação na Netflix com a Natalie Portman como protagonista. Eu adoro esse filme e já assisti três vezes. 

Eu estava cansada de ficção científica depois de quase 2000 páginas nesse assunto e passei para algo muito mais palpável. O filme American Psycho é um favorito meu e do meu marido. Wall Street, New York, mercado financeiro, cultura norte-americana, American Dream, etc, são assuntos que nos interessam e a atuação de Christian Bale faz o filme ser uma jóia prima. O livro é ainda mais violento. 

Durante a leitura de American Psycho e no meio de suas representações gráficas de sangue, violência, misoginia, e o abismo depressivo e emocional de Patrick Bateman, vieram os primeiros sintomas da gravidez. Precisei diminuir o ritmo. Parar a leitura, retomar. Parar de novo. Ate que finalmente acabei. 

Meu prazer pela leitura ficou comprometidíssimo e, na época, decidi ler algo que provavemente seria muito bom: um livro sobre Nova York escrito por um dos autores do Modernismo norte-americano. Manhattan Transfer de John dos Passos começou muito bem, mas tinha uma narrativa desafiadora demais para minha versão grávida. Por meses, enrolei uma leitura de 200 páginas e abandonei nas 200 páginas restantes. 

Esse desgosto com os livros mudou graças à Shirley Jackson. Sempre Vivemos no Castelo mudou toda a percepção do que eu deveria ler daquele momento em diante. Li a história de Merricat e Constance em um dia e me apaixonei. 

Percebi que o que eu precisava era ler uma mulher, falando sobre outras mulheres, sobre os saberes caseiros, sobre a rotina diária de preparar o café da manhã para os integrantes de uma família, sobre segredos e hábitos escondidos em as quatro paredes de uma casa, sobre tudo o que envolve o universo do feminino, do cuidado e do doméstico num mundo e sociedade patriarcal e machista. 

O toque gótico da Shirley Jackson só tornou tudo ainda mais interessante. Assim como as lembranças que a casa da Nova Inglaterra de Sempre vivemos no Castelo me trouxe de A Casa das 7 Torres

Por isso, depois de Jackson, fui para o último livro de contos de Silvina Ocampo publicado pela Companhia das Letras: As Convidadas

Mas eu queria mais. Precisava ler mais mlheres falando sobre mulheres, a maternidade, a relação homem-mulher, mãe-filho, a gestação, a família. Parti para a releitura da tetralogia As Brumas de Avalon. (Eu e meu marido lemos a obra de Marion Zimmer Bradley em 2008, quando ainda éramos namorados.)

No fim de As Brumas, já estava me aproximando do final da gestacão e decidi ler apenas contos.  Começar um romance seria correr o risco de parar no meio e não conseguir retomar tão cedo. Por causa de uma sugestão do Kindle, baixei Mariana Enriquez, Os perigos de fumar na cama. Que livro maravilhoso! Não podia perder tempo, e logo depois li As coisas que perdemos no fogo

Apaixonada pelo mundo dos contos, olhei para minha casa e procurei uma autora brasileira: Lygia Fagundes Telles. Quando acabei O Seminário dos Ratos, minha bebê veio ao mundo. 

Esses foram os livros de 2023. O ano em que fiquei grávida e tive uma filha. O ano que minha vida mudou. O ano que eu mudei. 


1 - Southern Reach Trilogy (Annihilation) - Jeff VanderMeer

2 - Southern Reach Trilogy (Authority) - Jeff VanderMeer

3 - Southern Reach Trilogy  (Acceptance) - Jeff VanderMeer

4 - Ambergris Trilogy (City of Saints and Mad Men) - Jeff VanderMeer

5 - Ambergris Trilogy  (Shriek: An Afterword) - Jeff VanderMeer

6 - Ambergris Trilogy  (Finch) - Jeff VanderMeer

7 - American Psycho - Bret Easton Ellis

8 - Manhattan Transfer - John dos Passos

9 - Sempre vivemos no castelo - Shirley Jackson

10 - As Brumas de Avalon - A Senhora da Magia (Livro 1) - Marion Zimmer Bradley

11 - As Brumas de Avalon - A Grande Rainha (Livro 2) - Marion Zimmer Bradley

12 - As Brumas de Avalon - O Gamo Rei (Livro 3) - Marion Zimmer Bradley

13 - As Brumas de Avalon - O Prisioneiro da Árvore (Livro 4) - Marion Zimmer Bradley

14 - As Convidadas - Silvina Ocampo

15 - Os perigos de fumar na cama - Mariana Enríquez

16 - As coisas que perdemos no fogo - Mariana Enríquez

17 - Seminário dos Ratos - Lygia Fagundes Telles


(Em negrito são os livros que eu mais gostei.)



Em março 2023, antes de descobrir que estava grávida, visitei A Casa das 7 Torres, em Salem, MA.



Nessa mesma viagem por Massachussets, passamos por New Bedford, cidade de onde Ishamel e Capitão Ahab partem embarcam para caçar baleias, Na foto, parte da fachada da Capela dos Marinheiros, citada por Herman Melville em Moby Dick.