Mês 5 (cinco) em Nova York - Esquina da Amsterdam com a 123

A rua 123, lado oeste, não tem nada demais. De todas as ruas de Manhattan, a 123 é praticamente anônima. Não tem as lojas da Quinta Avenida, nem o glamour da Madison Avenue, tampouco o show business da Broadway e as luzes da 42. O dinheiro de Wall Street, então, nadica de nada. 

Mas, nos últimos dias, a esquina da Amsterdam Avenue com a 123 ficou diferente. Era caminho ordinário, de todo dia, para ir para a academia. Meu caminho da roça em plena Manhattan. 

Subindo a Amsterdam, virando a direita na rua 123: uma calçada é o perímetro do Morningside Park. Tão poético. Não é nome de político, nem de personagem histórico. É o parque que fica do lado que o sol nasce, contrastando com o parque que fica do outro lado, o Riverside Park, do lado do rio. Seguindo em frente, ainda na mesma calçada, atrás das grades sempre abertas do parque, um parquinho infantil. 

Na calçada oposta tem uma escola. Bandeira dos Estados Unidos em cima do portão, fachada de tijolinhos cor de ocre. Pelo lado de fora, podemos ver pelas janelas alguns objetos típicos escolares: alguns livros em pé, um globo, o pedaço de uma lousa verde. Algumas vezes, se dou sorte de horário, vejo uma fila indiana de criancinhas de 90cm de altura, encapotados por causa do frio. Saem do portão da escola, um atrás do outro como formiguinhas, cruzam a rua 123 e entram no parque. Às vezes também vejo esquilos nos troncos das árvores. 

Hoje, atipicamente, tem velas e buquês de flores na esquina da 123 com a Amsterdam. Uma homenagem a um aluno da universidade da 116 que foi morto a facadas por outro homem, na rua 123, uns 10 dias atrás.  Entre o parque, a escola e a bandeira. Por volta das 10 horas da noite. 

O homem que possuía a faca atacou o aluno, continuou andando e, algumas ruas para baixo, atacou outro estudante, que conseguiu receber ajuda a tempo. O homem da faca continuou descendo, em direção ao Central Park. 120, 118, 114 e, na 110, ao ameaçar a terceira vítima, foi pego pela polícia. Ele estava sob efeitos de drogas, dizem. Não sei. 

Como brasileira e paulistana, a imagem que melhor retrata a desigualdade social no Brasil é a foto de Tuca Vieira. Tirada em 2004, a fotografia mostra as piscinas em espiral de cada apartamento de um prédio do bairro Morumbi e, em segundo plano, a favela de Paraisópolis. Como recém-chegada em Nova York, a imagem da injustiça tornou-se a esquina da Amsterdam com a 123. Um lugar nada importante, nada famoso, mas, infelizmente, palco de enormes contradições: um aluno estrangeiro, uma universidade Ivy League, um bairro periférico historicamente marcado pela segregação racial e econômica, um homem com extensa ficha criminal sob efeitos de drogas (dizem), falta (ou excesso - há debates) de policiamento, clínica de metadona na 126. 

Posso dizer que agora, no quinto mês, estar em Nova York já não é mais novidade. É minha casa. Em toda casa têm goteiras, sempre vários problemas. Tinha em São Paulo e tem aqui. Mas enquanto minha casa for onde meu coração estiver, o que importa é cuidar do que a gente pode, olhar pra frente e agradecer pelas coisas boas, que, felizmente, são muitas. 


Esquina 123 com Amsterdam. Dezembro de 2021

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