Mês 2,5 (dois e meio) em Nova York: brazilian com b minúsculo

Nada para afirmar nossa identidade nacional do que estar fora do país. É só colocar o pezinho na gringa que toda a brasilidade floresce nas veias. Já começa no aeroporto enquanto esperamos o embarque. Aquele pãozinho de queijo superfaturado de qualidade duvidosa, que é maravilhoso porque “lá não vai ter pão de queijo”.  Esses dias o presidente do Brasil pisou em terras nova-iorquinas e foi noticiado que, por não ter se vacinado, teve que almoçar do lado de fora de um famoso restaurante de rodízio de carne. Vi gente incrédula nas redes sociais: além de não estar vacinado, mal tinha chegado nos EUA e o ilustríssimo foi comer em um restaurante brasileiro.

Mas só quem está longe sabe a carência que as referências de casa dão na gente. Há uns 15 dias, fui com meu marido numa exposição da grife Christian Dior. Lindo, maravilhoso, mas tudo o que procurávamos nas capas de revistas penduradas e nos vídeos de desfiles passados era a nossa querida Gisele.

Em São Paulo, por motivos de dieta, a farofa era alimento proibido em casa. Preferia seguir o cardápio da nutricionista e comer avocado toast e overnight oats com whey. Agora, estou até sonhando com uma farinha de mandioca torradinha com bastante manteiga de garrafa e um cuscuz de tapioca molhadinho no leite de coco.

Quando me mudei, bastava ouvir uma pessoa falando português na rua, ver uma bandeirinha verde e amarela em qualquer lugar, ou até um Brasil escrito com Z, que já vinha  sentimento de “estou em casa” no coração. Até notar na frente de todo salão de beleza, a palavra brazilian. Nada me incomoda mais nessa terra e idioma do que brazilian com letra minúscula significar depilação íntima completa.

No português brasileiro somos muito mais amigáveis. Americano pode ser tanto o jogo de mesa que substitui a toalha, quanto o copo, no qual tomamos café na bancada da padaria. Outras nacionalidades também gozam de prestígio. Na culinária temos torta holandesa, pão australiano, pão francês, palha italiana, iogurte e salada grega. Na academia, os puxadores de pesos classificam o agachamento búlgaro e a puxada romana exercícios importantíssimos. Nos salões de beleza, depilação egípcia é aquela feita com linha e francesinha é a delicada pintura de base com um detalhe branco na ponta da unha. Canivete suiço, corredor polonês e soco inglês impõem medo e respeito. Talvez só espanhola tenha um significado tire-as-crianças-da-sala.

No inglês, sortudo mesmo é o francês, que na culinária podem ser as amadas french fries ou o reconfortante french toast e, na sedução, french kiss é aquele beijo dado com língua. Ou seja, o beijo que importa. Em polissemia bilíngue, talvez o ganhador seja o Peru, tanto o animal quanto o país, cuja tradução é Turkey, o mesmo animal, mas outro país.

Mesmo diante de um universo de possibilidades de letras e palavras, brazilian é a extração com cera quente de pêlos pubianos na frente, lados, atrás e no ânus. Na descrição oferecida pelo profissional é “toda a linha do biquíni, mais interior das coxas e a faixa do bumbum. Obs: não inclui as nádegas”.

Queria que brazilian fosse qualquer coisa que trouxesse uma alegria inocente, um sabor doce, uma técnica ou objeto de respeito. Mas, infelizmente, é o púbis depilado do carnaval e o presidente que não toma vacina. O jeito é continuar fazendo brigadeiro e pão de queijo para os gringos experimentarem na esperança, de que um dia, a gente possa revolucionar essa língua pelo estômago, porque por outros meios já é causa perdida.



Cera depilatória

Foto de flaviasaad0 em Pixabay

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