Mês 2,5 (dois e meio) em Nova York: brazilian com b minúsculo

Segue minha segunda tentativa de escrever crônica. Espero que vocês gostem. Para me dar uma moral, se vocês gostarem, me dêem um joinha nos comentários. 

Meu marido uma vez me disse uma coisa muito verdadeira: Bolsonaro consegue fazer as pessoas ficarem vidradas por ele. Seja amando-o ou odiando-o. As pessoas conseguem só pensar, falar, seguir cegamente ou vociferar contra o Bolsonaro. O tempo todo, em toda mídia, plataforma ou conversa de bar. Aconteceu isso com meu texto durante a aula. Apesar da ironia de tratar Bolsonaro com a descrição de "ilustríssimo", a crítica que recebi é que passei pano para o nosso agradável presidente. O resto da crônica estava até ficando esquecido, quando foi salvo de afogamento no último segundo e, brevemente, elogiado pelo jogo de palavras.

Bom... Nesses momentos de radicalização que estamos vivendo, a ironia está em perigo. Então, afins de esclarecimento: não, não sou bolsonarista. Não estou passando pano para ele. 


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Nada para afirmar nossa identidade nacional do que estar fora do país. É só colocar o pezinho na gringa que toda a brasilidade floresce nas veias. Já começa no aeroporto enquanto esperamos o embarque. Aquele pãozinho de queijo superfaturado de qualidade duvidosa, que é maravilhoso porque “lá não vai ter pão de queijo”.  Esses dias o presidente do Brasil pisou em terras nova-iorquinas e foi noticiado que, por não ter se vacinado, teve que almoçar do lado de fora de um famoso restaurante de rodízio de carne. Vi gente incrédula nas redes sociais: além de não estar vacinado, mal tinha chegado nos EUA e o ilustríssimo foi comer em um restaurante brasileiro.

Mas só quem está longe sabe a carência que as referências de casa dão na gente. Há uns 15 dias, fui com meu marido numa exposição da grife Christian Dior. Lindo, maravilhoso, mas tudo o que procurávamos nas capas de revistas penduradas e nos vídeos de desfiles passados era a nossa querida Gisele.

Em São Paulo, por motivos de dieta, a farofa era alimento proibido em casa. Preferia seguir o cardápio da nutricionista e comer avocado toast e overnight oats com whey. Agora, estou até sonhando com uma farinha de mandioca torradinha com bastante manteiga de garrafa e um cuscuz de tapioca molhadinho no leite de coco.

Quando me mudei, bastava ouvir uma pessoa falando português na rua, ver uma bandeirinha verde e amarela em qualquer lugar, ou até um Brasil escrito com Z, que já vinha o  sentimento de “estou em casa” no coração. Até notar na frente de todo salão de beleza, a palavra brazilian. Nada me incomoda mais nessa terra e idioma do que brazilian com letra minúscula significar depilação íntima completa.

No português brasileiro somos muito mais amigáveis. Americano pode ser tanto o jogo de mesa que substitui a toalha, quanto o copo, no qual tomamos café na bancada da padaria. Outras nacionalidades também gozam de prestígio. Na culinária temos a torta holandesa, pão australiano, pão francês, palha italiana, iogurte e salada grega. Na academia, os puxadores de pesos classificam o agachamento búlgaro e a puxada romana exercícios importantíssimos. Nos salões de beleza, depilação egípcia é aquela feita com linha e francesinha é a delicada pintura de base com um detalhe branco na ponta da unha. Canivete suiço, corredor polonês e soco inglês impõem medo e respeito. Talvez só espanhola tenha um significado tire-as-crianças-da-sala.

No inglês, sortudo mesmo é o francês, que na culinária podem ser as amadas french fries ou o reconfortante french toast e, na sedução, french kiss é aquele beijo dado com língua. Ou seja, o beijo que importa. Em polissemia bilíngue, talvez o ganhador seja o Peru, tanto o animal quanto o país, cuja tradução é Turkey, o mesmo animal, mas outro país.

Mesmo diante de um universo de possibilidades de letras e palavras, brazilian é a extração com cera quente de pêlos pubianos na frente, lados, atrás e no ânus. Na descrição oferecida pelo profissional é “toda a linha do biquíni, mais interior das coxas e a faixa do bumbum. Obs: não inclui as nádegas”.

Queria que brazilian fosse qualquer coisa que trouxesse uma alegria inocente, um sabor doce, uma técnica ou objeto de respeito. Mas, infelizmente, é o púbis depilado do carnaval e o presidente que não toma vacina. O jeito é continuar fazendo brigadeiro e pão de queijo para os gringos experimentarem na esperança, de que um dia, a gente possa revolucionar essa língua pelo estômago, porque por outros meios já é causa perdida.

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