Resenha - A Revolta da Vacina

No primeiro semestre do ano passado eu li um livro chamado "A Revolta da Vacina" de Nicolau Sevcenko. O livro me encantou tanto que até escrevi um pequeno artigo para publicar aqui no blog:


Pois bem, neste semestre, cursando Brasil Independente II, foi pedido uma resenha como uma das avaliações e eu acabei fazendo a resenha deste mesmo livro, que publicarei agora aqui.
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“A Revolta da Vacina” de Nicolau Sevcenko é um livro que foge um pouco dos padrões acadêmicos em sua linguagem, mas não falha em sua qualidade de pesquisa. Através de uma linguagem fácil e acessível a qualquer um fora da academia que se interesse pelo tema, Nicolau vai nos mostrar o avesso da história oficial acerca do evento que dá nome a obra. O livro é de poucas páginas e composto por quatro capítulos. No primeiro, é abordado exaustivamente o cotidiano da batalha; no segundo e terceiro, privilegia-se o contexto político, econômico e social por detrás do motim; e finalmente, no quarto e último capítulo, o desfecho desta história bastante trágica e a ideologia construída pelas autoridades para explicar o que ficou então conhecida como Revolta da Vacina.

A tese central do livro consiste em mostrar que a Revolta não se limita ao furor de uma população pouco esclarecida sobre a importância da vacina para a prevenção da varíola, que ao lado de outras enfermidades estava causando um aumento significativo no número de óbitos e infectados, mas sim de que ela é o estopim de uma série de fenômenos políticos que solidificaram a hegemonia paulista no poder em detrimento de interesses sociais que abrangesse a população em geral. Além, é claro, da interferência de diferentes grupos políticos na Revolta que viram nela uma chance de se auto promoverem, mas que perderam o controle em determinado momento. Nicolau denuncia que as chacinas possuem um discurso próprio que não foi diferente desta que ocorreu em novembro de 1904 na cidade do Rio de Janeiro: atribuiu-se toda a responsabilidade pela tragédia ao grupo revoltoso que queria impedir a manutenção e a imposição da ordem, enquanto que os executores se auto colocaram como heróis que lutaram pelo bem geral.

O que Nicolau mostra é que no início do século XX, a burguesia ascendente cafeeira paulista precisava se inserir e mostrar ao mundo desenvolvido uma imagem de prosperidade, ordem, governo e economia estável, para continuar com os recursos externos sem os quais a instituição cafeeira não poderia se manter. A cidade do Rio de Janeiro, para tanto, precisava passar por uma reformulação, já que as condições estruturais do porto não mais condiziam com a sua importância de terceiro maior porto em movimento do continente americano. Somam-se a este fato as ruas estreitas e tortuosas da cidade que dificultava o trânsito de mercadoria que eram desembarcadas. Além disso, o fato da cidade ser um foco endêmico para várias doenças, como febre amarela, varíola, peste bubônica e tuberculose, fazia com que a tripulação e os passageiros não descessem dos navios, já que o Rio de Janeiro era conhecido internacionalmente como “túmulo dos estrangeiros.”

Outro dado importante que contribui para piorar este quadro já esboçado foram as políticas econômicas de governos anteriores. Medidas que ficaram conhecidas como “funding loan” e Convênio de Taubaté tiveram como conseqüências um drástico processo de deflação e arrocho da economia interna. As camadas mais pobres foram as mais prejudicadas pela retratação financeira: a necessidade de restringir ao máximo as despesas públicas, que resultou na dispensa maciça de funcionários e operários das áreas que mais ofereciam empregos, como a indústria, o comércio e os serviços públicos, a criação de novos impostos e aumento dos já existentes, a rápida valorização da moeda, entre outros fatores, contribuíram para o forte aumento do custo de subsistência.

Assim, uma grande massa populacional que habitava a cidade do Rio de Janeiro que já estava sofrendo com o desemprego e o crescente custo de vida que lhes estava sendo imposto de maneira drástica, começou a ser despejada dos casarões em que viviam. Estes casarões, que se apresentavam como uma espécie de cortiço onde abrigavam famílias inteiras em pequenos quartos e em situações subumanas, estavam sendo demolidos para o processo de regeneração da cidade e o alargamento das ruas. Na rua, dentro desta lógica de prosperidade e ordem a ser mostrada lá fora, eram perseguidos desde cães, gatos e qualquer outro animal, até homens que se atreviam a andar sem paletó. Nesta atmosfera repressora, a população que estava sendo desalojada foi sendo cada vez mais empurrada para a periferia e áreas menos valorizadas, como os pântanos e terrenos em declive.

Essa política de regeneração da cidade do Rio de Janeiro aconteceu no governo presidencial de Rodrigues Alves e foi, como diz Nicolau, a última peça para a construção da hegemonia paulista. Se Prudente de Morais dedicou seu governo a pacificar a nação sob o poder civil e Campos Sales a recuperar as finanças para que os capitais e recursos estrangeiros não cessassem, Rodrigues Alves foi o responsável por construir a imagem da qual já foi falada para ser apresentada ao mundo desenvolvido. Assim, não é a toa que Rodrigues Alves era identificado como a continuação desta política paulista bastante impopular para a população do Rio de Janeiro que havia votado em massa no candidato de oposição Quintino Bocaiúva.

Somado a todos estes fatores e que, finalmente, foi o estopim para a causa da revolta, foi a violência do poder público (que já estava afetando a população com as demolições em massa) em instituir a obrigatoriedade da vacina. O modo violento com o qual homens, mulheres e crianças tinham seus braços despidos e a vacina feita, fez com que o poder da autoridade sanitária praticamente se confundisse com a policial, nas palavras de Nicolau.

Assim, questiona o autor se foi realmente somente a falta de informação a responsável pelo levante do motim. Na verdade, como ele diz, “a revolta não visava o poder, não pretendia vencer, não podia ganhar nada. Era somente um grito, uma convulsão de dor, uma vertigem de horror e indignação” e que, na verdade, “não foi mais do que um lance particularmente pungente de um movimento muito mais extenso e que latejou em inúmeros outros momentos desse nosso dramático prelúdio republicano.” Nicolau finaliza o livro sugerindo que a nascente república, apesar de seu discurso liberal e democrático, acabou democratizando a senzala. Salva algumas diferenças, a experiência de controle de massas e disciplina social foi incorporada pela república, pois com a abolição e a posse de escravos, o Estado passou a tratar todos segundo a lógica escravista.

Em relação ás fontes primárias, o livro é riquíssimo e o autor não faz uso somente da fonte escrita, mas também de fontes iconográficas, como mapas, fotografias e charges. Está na lista de fontes textuais, desde o diário íntimo de Lima Barreto, até o relato de viagem de Spix e Martius de 1817 a 1820; ainda é importante citar a constante referência a revistas, como A Avenida e O Malho, de onde tira várias charges, jornais, como A Notícia, fotos oficiais, relatórios, discursos, citações, mas a maior fonte parece ser a literatura. A lista de autores é grande: Cruz e Souza, Lima Barreto, Olavo Bilac, Aluísio Azevedo, João do Rio, entre outros.

Quanto ao debate historiográfico, por se tratar de um livro que não se limita ao meio acadêmico, são poucas as referências historiográficas; mas importantes historiadores são mencionados para reiterar algumas proposições que Nicolau Sevcenko faz. Como por exemplo, Afonso Arinos de Melo Franco que aparece como a grande referência para se tratar do presidente Rodrigues Alves; Gastão Cruls, por sua vez, para contribuir a ilustrar o Rio de Janeiro do início do século XX em referências sanitárias; José Maria Bello para a política conhecida como Encilhamento, e Edgard Carone para o caráter draconiano e implacável do projeto reformador da cidade.

A Autarquia Paulista

O texto abaixo é o primeiro capítulo de um trabalho que fiz como conclusão de um ano de estágio. Ele foi o resultado de um encontro quase mágico com um conjunto de documentação de uma fazenda chamada Fazenda Guatapará que situava-se na região que atualmente conhecemos como Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. A documentação é do início do século XX e possui um forte caráter administrativo. Entre as diversas correspondências, um remetente predominante era a Companhia Paulista de Vias Ferreas e Fluviaes. A partir daí, comecei a pesquisar a íntima relação entre o surgimento da ferrovia e o café no estado de São Paulo.

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“O ouvidor geral me disse que na dita capitania de São Vicente havia um caminho de 5 ou 6 léguas o qual era tão mau e áspero por causa dos lameiros e grandes ladeiras que se não podia caminhar por elles...”
(Trecho de carta enviada a D. João III pelo Governador Geral Duarte da Costa em 1555. ELLIS Jr., Alfredo. O Café e a Paulistânia. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1951 – p. 255. )

“A quarta Villa da capitania de São Vicente é Piratininga, que está 10 a 12 léguas pelo sertão e terra a dentro. Vão por lá umas serras tão altas que dificultosamente podem subir nenhuns animais e os homens sobem com trabalhos e as vezes de gatinhas por não despenharem-se e por ser o caminho tão mau e ser tão ruim serventia padecem os moradores e os nossos grandes trabalhos.”
(Trecho de depoimento do Padre Anchieta em “Informações do Brasil e suas Capitanias” de 1584. Idem.)

Como podemos ver nos documentos acima, a geografia paulista sempre foi um fator de dificuldade de transporte e comunicação e, por conseguinte, de isolamento do planalto. Este isolamento foi um assunto bastante estudado por Alfredo Ellis Jr., que diz que se trata de uma região que sempre viveu ensimesmada e é um perfeito exemplo de determinismo geográfico.

As dificuldades no transporte através da serra faziam com que o planalto se tornasse uma região isolada econômica, psicológica e sentimentalmente. Como qualquer tipo de mercadoria só podia ser transportada no dorso humano, o frete de exportação ou importação a tornava praticamente proibitiva. Por muito tempo, todo este isolamento era quebrado por uma tênue ligação entre o planalto e o litoral chamado de “Caminho do Padre José”, pelo qual só passavam os índios, que se auto-trasportavam, e toda a produção era consumida pela própria população.

Além da dificuldade do transporte causada pelo terreno acidentado, o clima aproximado ao da metrópole impedia a exportação de gêneros de clima frio e a concorrência com o nordeste dificultava a exportação de gêneros de clima quente, a falta de fonte de renda e o fraco poder aquisitivo dos habitantes do planalto eram outros motivos do isolamento e da falta de interesse sobre a região por parte da Coroa portuguesa.

Como ilustração do isolamento e a falta de lusitanismo que vivia a região do planalto, vale mencionar a informação que nos foi passada pelo Padre Vieira e consta no livro de Ellis Jr.: António Paes de Sande que governou as capitanias reunidas de São Paulo e Rio de Janeiro entre 1692 e 1693 falava guarani. Por isso que Nogueira de Matos comenta sobre um processo de indianização que sofreu o grupo paulista. A América Portuguesa era apenas o Nordeste, única região povoada e civilizada, o resto da América, como informa Ellis Jr., estava abandonada à barbárie e alguns poucos aventureiros e desgarrados portugueses. São Paulo era uma terra selvagem.

Desta maneira, enquanto o nordeste possuía uma identidade muito maior com Portugal, sempre esteve presente entre os habitantes do planalto um sentimento vazio de lusitanismo, o que favoreceu um exagero do municipalismo, que tomou um caráter autônomo, e mais democrático se comparado com outras regiões da América Portuguesa que viviam com mais intensidade o pacto colonial. A produção dos gêneros de subsistência que eram consumidos in loco ajudaram a promover a pequena propriedade e a policultura. Como veremos adiante, mesmo com o advento da ferrovia e a maior facilidade de transporte do café, o frete ainda era muito caro para o transporte de gêneros como o milho, arroz e outros artigos pouco valiosos por quilo, portanto, mesmo na passagem do século XIX para o XX, a região do planalto continuou produzindo o que se consumia e procurando se auto-abastecer.

Só em 1724, aproximadamente, quando começou a ser trafegada a estrada de São Paulo - Rio Grande e o muar foi empregado como meio de transporte, o preço do frete abaixou, pois era caríssimo o transporte de mercadorias no dorso dos escravos. Assim, o açúcar que era produzido no planalto e havia perdido o mercado consumidor com o fim do ciclo do ouro nas Minas Gerais, começou a ser transportado pelos muares até o litoral para ser exportado além-mar. O muar como meio de transporte foi utilizado até o início da produção e exportação do café, antes que este se expandisse para o Oeste Paulista.

Mesmo no período áureo de exportação do açúcar, economicamente mais vantajoso por conta do transporte feito pelas tropas de muares, a ligação entre o planalto e o litoral continuou precária. As novas exigências desta nova economia fez adaptações de uma via que era, essencialmente, de pedestres para uma via de tropas. É importante lembrar também que as maiores dificuldades de transporte e comunicação ficavam na serra e que as estradas do planalto eram um problema bem menor. A serra, além de possuir um desnível de quase 800 metros, também apresenta um alto índice de pluviosidade que, aliado a alta capacidade da mata atlântica se recuperar de desmatamento, dificulta ainda mais tanto a construção como a conservação dos caminhos. As estradas do planalto que foram sendo desenvolvidas na época do açúcar, por sua vez, resultaram no aproveitamento e adaptação dos velhos caminhos dos bandeirantes . São Paulo entrou no século XIX com uma feição bastante parecida com a do período colonial e isso só foi se alterar com o advento da era ferroviária.

O projeto federalista

Eu já postei as questões 2 e 3 da prova de Brasil Independente I que eu fiz semestre passado. Agora é a vez da primeira questão, que trata sobre o possível destino federalista do Brasil que foi escondida pela história oficial que sempre privilegiou o projeto monarquista de unidade nacional.

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No início de seu texto, Evaldo Cabral de Mello vai nos dizer de maneira bastante clara que a historiografia da Independência tendeu a reproduzir a versão contada originalmente, valorizando a “vitória” da monarquia e da unidade nacional. No entanto, havia sim um projeto federalista que foi escamoteado pelos estudos do período e que a unidade territorial não era o destino do Brasil. Diante de um impasse entre as províncias do norte e as províncias do sul, a preservação da unidade brasileira, porém, era usada como argumento principal para a organização de um legislativo.

Com a chegada da família real e o enraizamento dos interesses portugueses no Rio de Janeiro, o Império Brasileiro se encontrou numa situação de extremo desequilíbrio. A capital do reino, agora com um enorme contingente de pessoas e uma necessidade de adaptação urbana e administrativa para atender os interesses da Corte portuguesa, se viu diante da necessidade de maiores quantidades de dinheiro que vinham, em sua grande maioria, das capitanias do norte. Em “Preciso” – Nota de José Luís de Mendonça, se referindo aos impostos dirigidos à Corte do Rio, ele diz: “Depois de tanto abusar da nossa paciência por um sistema de administração combinado acinte para sustentar as vaidades de uma corte insolente”. É por isso que a chegada da família real, antes de confirmar uma unidade brasileira em torno de si, vai, na verdade, acentuar regionalismos que já existiam. É importante salientar que não havia um sentimento de unidade. Mesmo quando foram formadas as Juntas provinciais, os deputados enviados às Cortes não representavam o Brasil, eles representavam suas próprias províncias e defendiam seus interesses locais. Em “Preciso”, a “pátria” a que José Luís de Mendonça se refere é o seu lugar de nascimento, a província de Pernambuco.

No início da década de 20, vai-se defender a “constituição de um corpo legislativo em território brasileiro, paralelo ao Congresso de Lisboa” cuja justificativa maior, como foi dito acima, estará na manutenção da unidade tanto brasileira, quanto do reino luso-brasileiro. As elites nortistas, no entanto, viam na formação de uma Assembléia a chance de se verem livres tanto do sistema colonial imposto por Lisboa, quanto pela subordinação que deviam à Corte no Rio de Janeiro. Como a Lúcia nos fala, a Assembléia Constituinte não visava, de fato, uma separação entre Brasil e Portugal, mas tinha lá sua ousadia, pois previa o direito de o Brasil fazer suas próprias leis.

O problema central dos debates entre os deputados do Brasil e de Portugal se tornou a questão da autonomia. Assim, em Outubro de 1821, Dom João assina um decreto proposto pelas Cortes na sua primeira tentativa de organização do Império Português. Este Decreto de Outubro de 1821 transformava as capitanias em províncias e depunha todos os governadores nomeados por D. João; as províncias, quando formassem as Juntas Provinciais, seriam reconhecidas legitimamente e seriam estas Juntas as responsáveis pelo controle dos governos regionais. Como afirma Márcia Berbel, esta possibilidade de os governos provinciais serem escolhidos pelos âmbitos regionais é um nível de autonomia inédito, não conhecido pela “América Portuguesa durante todo o período colonial”.

Também como nos mostra Márcia Regina Berbel, a província de Pernambuco, que já tinha tido uma experiência na formação de Juntas para o governo local com o movimento revolucionário de 1817, aceitou a implementação do Decreto de Outubro de 1821 quando este ainda era um projeto e estava em fase de discussão. O Decreto não só permitia a destituição do governador nomeado por D. João VI que se mostrava contra à eleição de uma Junta Provincial em Pernambuco, mas também anulava a existência do Reino do Brasil, a partir do momento em que eliminava as funções centralizadoras do Rio de Janeiro e exigia o retorno de D. Pedro, cuja permanência no Brasil aterrorizava os portugueses, uma vez que se D. João VI morresse, o herdeiro estaria aqui. Assim, é possível entender com clareza o que Evaldo propõe: mesmo se os deputados não lutavam por uma separação, ainda sim, não é possível pensar que priorizavam a unidade do Brasil, pois como ilustra o exemplo acima, o decreto aceito pelos pernambucanos destruía o papel centralizador do Rio, reforçando a autonomia para cuidarem de seus problemas internos e as escolhas de governos em âmbito local. O que eles buscavam eram o autogoverno e os princípios liberais, uma constituição e a representatividade, o que Evaldo chama de “precondição do triunfo do federalismo”.

O Decreto, porém, não era de todo perfeito. Ele apresentava uma dubiedade: ao mesmo tempo em que fortalecia a autonomia regional, ele abria uma possibilidade de intervenção do governo central, uma vez que o controle das armas nas províncias seria feito diretamente pelo governo central de Lisboa. Essa brecha, ao lado de outros fatores, como o envio de soldados para Salvador sem o consentimento dos deputados baianos, a impossibilidade de qualquer solução definitiva para a questão brasileira e sua união com o Império Português sem ser uma relação de subordinação e o “parecer da Comissão sobre os Negócios do Brasil acerca dos procedimentos da Junta de São Paulo e dos últimos atos do príncipe regente”, foram vistos e considerados como medidas retrógradas, que contribuiriam para a volta do antigo estado colonial do Brasil. Assim, uma aproximação entre os deputados das diferentes províncias e uma aliança à política de D. Pedro foi acontecendo muito mais porque o Congresso de Portugal era um fator comum que a todos eles desgostavam, do que por um possível sentimento de “brasileirismo”. Para se ter uma concretude da possibilidade de um regime federalista para o Brasil, João José Reis em seu panorama de revoltas baianas entre o período de 1824 e 1838, vai nos mostrar que em 1831 e 1832 ocorreram duas revoltas federalistas em São Felix, sendo uma das poucas revoltas com uma proposta de programa a ser cumprida a longo prazo, - fato que indica uma certa organização destes grupos que vão contra uma unidade política sob a hegemonia exercida pelo Rio de Janeiro.

O que os três autores tentam nos passar é que, ao contrário do que uma historiografia mais fiel ao discurso original do período da Independência tenta nos dizer, a independência do Brasil não foi resultado de um sentimento comum a todas as regiões que queriam se ver livres das garras metropolitanas de Portugal, muito menos de “uma consciência nacional profunda”. Algumas províncias estavam muito mais ligadas ao governo português do que à Corte no Rio de Janeiro (na Proclamação do Novo Governo de Pernambuco, os portugueses são considerados irmãos e a discórdia entre portugueses e os habitantes da província foram causados por “sementes de discórdia”) e uma aspiração a um autogoverno constituía um projeto federalista que tinha tudo para acontecer, mas que por causa de um “jogo de ações e reações entre as Cortes portuguesas e as elites do Novo Mundo”, a independência foi o resultado de “um processo que evoluiu no dia-a-dia”. Não é a toa que ela foi concebida para cada um num momento diferente e o sete de setembro não teve grandes significados para os contemporâneos do grito do Ipiranga.