Porque não gostei de Norwegian Wood - o livro, não a música

Depois da leitura pesada que foi Silvina Ocampo, pensei em ler algo que fosse mais minha zona de conforto. Logo veio à minha mente Haruki Murakami, pois há muito tempo não lia nada deste autor, apesar de sua vastíssima obra e da forte simpatia que eu tinha com os livros que li. Eu não queria fugir dos elementos fantásticos que tanto nos lembra os contos de Silvina Ocampo, mas eu queria algo mais leve e encantado. 

Adorei Kafka a Beira Mar: uma releitura da tragédia de Édipo, com os gatinhos que se comunicam com um dos protagonistas, etc. Amei. Depois, Caçando Carneiros foi um dos meus livros favoritos da vida. Finalmente, a trilogia 1Q84, que eu achei divertidíssima e envolvente. 

Então fui para Norwegian Wood, que é uma das obras referências do autor japonês. Sua escrita é sedutora. É muito fácil ler Haruki Murakami. E por isso eu fui. Fui... Fui. E só foi piorando. Não que o começo tenha sido ruim, mas do meio para o final foi péssimo. 

Foi publicado em 1987. Trata-se de um romance de formação. A história é contada por Toru Watanabe que, mais velho, relembra seus 17 e 20 anos durante os anos de 1968-1970 no Japão. Tem todos os elementos clichês para qualquer história de adolescente/ jovem adulto desta época: muita música, protestos, greves, sexualidade, álcool, depressão, retiros alternativos. Só não tem drogas. Boa parte da história se passa num alojamento masculino cheio de universitários e não tem... Drogas. Ok. Isso não é tão importante assim. 

O problema, a meu ver, são dois. O primeiro, não gostei como a depressão e o suicídio são tratados no livro. Vários personagens têm problemas depressivos profundos e vários se matam. Parece que mais personagens comentem suicídio do que chegam vivo até o final. A discussão que permeia toda a narrativa é "quem é normal e quem não é", ou "o que é ser normal?". Bom, tudo bem, o livro foi escrito em 1987, mas o máximo que acontece é um tratamento alternativo num retiro de pacientes que não tem acompanhamento médico convencional. Ou seja, eles estão lá para "se" tratar com o ar das montanhas, cuidando de passarinhos e conversando bastante. Enfim, uma abordagem completamente "antivax". De novo, compreendo que é uma obra de 1987 falando de um período de 20 anos atrás, mas faltou um "q" de levar essa situação um pouco mais para além de "tristeza-não-faz-de-ninguém-anormal-vamos-aproveitar-a-natureza-porque-as-montanhas-são-lindas-e-tudo-o-que-você-precisa-é-boa-vontade-para-se-curar". 

O segundo tem a ver com críticas que olhei de relance por aí na internet e para o qual eu sempre fiz vista grossa: as personagens femininas de Murakami. Nas outras obras que li, não tive nenhum problema com as personagens femininas, achei que ou elas não apareciam e não eram importantes para a história, ou então eu até gostava delas. Em 1Q84 eu adoro a protagonista. 

Porém, em Norwegian Wood, um livro que trata justamente sobre o "despertar', vamos dizer assim, da sexualidade do protagonista, as mulheres aparecem como bonecas/fantoches sexuais, com diálogos completamente apelativos e ridículos. Sinceramente, fica parecendo muito menos um romance de formação e muito mais os devaneios de um adolescente bobo egocêntrico cheio dos hormônios. Podemos falar que o narrador é em primeira pessoa e tudo o que nos conta é uma digressão e, portanto, pode ser essa imaginação mesmo e acabamos sendo enganados. Tudo bem, isso é até válido. O problema é que a leitura se torna um clichê sexual tosco cansativo e misógino. 

Uma passagem lamentável é quando uma das personagens, na casa dos 40 anos, paciente da tal clínica alternativa, vai contar para o protagonista o episódio que a levou a esta situação. São páginas e páginas de sua história: ela era professora de piano, na casa dos 30 anos, bem casada e com uma filha bebê. Uma de suas alunas de 13 anos a seduz e elas vão para a cama. Depois, tanto o sentimento de culpa quanto o julgamento de seus vizinhos a destrói. São páginas e páginas de descrição desta cena de pedofilia, onde a menina de 13 anos seduziu a professora, e - o mais importante - tem absolutamente nenhuma conexão com o antes e o depois da história. É uma narrativa, dentro de outra narrativa, puramente pela descrição sexual de uma mulher e uma adolescente.

Tenho a impressão de que é um livro adorado por leitores homens. O que é uma tristeza. Eu adoro romances de formação, adorei as outras obras de Haruki Murakami, e talvez passe algum tempo agora para eu ler outra obra do autor. 

Enfim, pela primeira vez na vida, vou dar apenas uma estrelinha de avaliação para uma leitura. Recomendo, no entanto, Caçando Carneiros

3 comentários:

  1. Bah, bom saber disso. Tenho esse livro aqui e estava pensando em lê-lo, seria o meu primeiro do autor. Talvez seja melhor começar por outro


    (Esse problema quanto a personagens femininas, hiperssexualização sob um male gaze e cultura da pedofilia eu tenho com Valter Hugo Mãe, que todo mundo ama, mas inclusive chamou uma amiga minha de louca quando ela questionou justamente esses pontos num dos livros dele. Difícil.)

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  2. Caramba, Gi. Eu nem li o livro, mas pela sua resenha eu já fui pensando "o que essa cena da professora e a menina tem a ver com a história?". Que tristeza!
    Vou lembrar do Caçador de Carneiros quando eu for ler outro do Murakami.

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  3. nossa essa parte da reiko me tirou MUITO do sério também. páginas e páginas usadas, sem motivo nenhum, pra contar uma história que não faz diferença nenhuma na narrativa e só pra sexualizar ainda mais as personagens femininas kkkkk sério. surreal. eu terminei o livro bem p*ta. amei seu post e concordo com tudo que disse, inclusive sobre a parte de "se tratar com o ar das montanhas". mas enfim, né? sigo aqui curiosa pra ler kafka e a a trilogia 1Q84!

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