A Sucessora: nostalgia, futuro e eleições 2022

Um rápido comentário sobre A Sucessora porque o tempo tá passando, outros livros estão sendo lidos e este está ficando cada vez mais longe no tempo. Aviso: quis discutir um pouco como li o desfecho do livro, então tem spoiler


Em A Sucessora, Carolina Nabuco coloca uma questão que me é muito cara na cultura brasileira: a nostalgia. A maior herança que tivemos dos portugueses e que, até hoje, alimentamos e cuidamos com zelo através da nossa língua, é essa nostalgia que nunca nos deixa olhar para frente. A maldita palavra "saudade" que só existe no português... 

Olhamos sempre para o passado com um olhar saudosista. Aprendemos, desde pequenos, que no "passado isso ou aquilo era muito melhor".  Atire a primeira pedra quem nunca ouviu alguém mais velho dizer isso. Por isso que gostei tanto de A Sucessora. Carolina Nabuco trata a questão da nostalgia de maneira muito delicada e central na trama. Marina é a representação desse Brasil colonial completamente idealizado, de um sentimento nacional que nasceu dentro das grandes fazendas cafeeiras, escravocratas, onde a natureza nacional era reverenciada e a relação Casa Grande e Senzala era falsamente pensada como harmoniosa. 

Enquanto Alice e Roberto são o Brasil republicano, urbano, industrial, de empregados dos casarões que são apenas empregados e não a extensão da família. São o casal cujo luxo e diversão são importados e copiados da cultura europeia. Alice e Roberto são a cara do futuro do Brasil e Marina é o passado. 

Mas, é claro, assim como não sabemos o que levou à morte de Alice - sabemos somente que ela estava doente - o Brasil como nação nunca poderia seguir em frente sem olhar, depender e amar o seu passado. Por mais progressista, o Brasil precisa de suas raízes nostálgicas para se ver como nação. Por isso que, alegoricamente, Alice morre e deixa Roberto sem herdeiros. 

E então o Brasil do futuro e do passado, num dia de festa, se encontram e se apaixonam instantaneamente. Marina e Roberto logo se casam. O futuro é urbano e Marina sai da fazenda para morar na casa de seu marido na capital. Lá, a sensação é de que a falecida esposa de Roberto, Alice, a está assombrando, como se ela não fosse boa o suficiente para Roberto, como se ela não estivesse sendo uma boa esposa, ou, então, como se ela estivesse tentando roubar aquele lugar. 

Enfim, Marina sente-se perseguida. Ela está sempre olhando para trás. O passado se sente ameaçado pela figura do futuro. Ela lamenta esse ambiente, sente-se sufocada e gostaria de voltar para a fazenda. É só no momento em que Marina 

"compreendeu que era filha desta terra brasileira, filha até a medula, desta natureza misteriosa e temível, onde lutaram seus avós, e de onde lhe vinha essa nostalgia da alma que a perseguia na vida"

que a moça consegue olhar para frente, realizar-se com o futuro. E o futuro, no Brasil, vem na forma de herdeiro: o progresso, pelo pai Roberto, e a nostalgia profunda da alma pela mãe, Marina. 

Terminei de ler o livro em meados de dezembro. Havia outras tarefas na frente e deixei para publicar agora esta resenha. Qual a minha surpresa, dia 1 de janeiro de 2022, ver pessoas tão jovens, da minha geração e mais novos, comemorando o ano novo com "2002", referindo-se às eleições em Outubro e Lula eleito. 

A nostalgia, no Brasil, não tem idade. Muitos comemorando Lula 2002/22 eram crianças no primeiro mandato do ex-presidente! Enfim, desde muito novos olhamos para o passado - às vezes um passado que nem vivemos, mas um passado absolutamente sempre idealizado, e ficamos sempre repetindo. No Brasil, não há espaço para o novo, para o progresso. Só há espaço para Marinas, que ficam olhando o passado, sentem-se assombrados, e reproduzem uma tentativa de progresso sem se desprender de suas raízes coloniais.

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A Sucessora (Carolina Nabuco)

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