A retrospectiva de leituras de 2021 - o ano de mudanças

2021 foi um ano complicado para mim. Mais complicado que 2020. São Paulo - Chile - São Paulo - Nova York. Foi um ano com muitas mudanças e a mala quase sempre montada. Fiquei de lá para cá por muito tempo. Mesmo depois que cheguei no destino final e tinha condições de estabilizar, eu tive que fazer isso num país estranho e com meu companheiro de aventuras apresentando sintomas de Covid Longo por 3 intermináveis meses. 

Por isso, a lista encurtou de tamanho em relação ao ano passado. Li bem menos, mas isso não é importante. Eu sempre fui uma slow reader e o que vale é viver a leitura - o que é temporalmente impossível de medir. Levando em conta a experiência, 2021 foi ótimo: eu conheci duas novas autoras das quais nunca tinha ouvido falar e me apaixonei: Edith Wharton e Lucia Berlin. Duas autoras norte-americanas que estão recebendo novas edições e tradução no Brasil muito recentemente. Aliás, Lucia Berlin, mesmo nos Estados Unidos, ganhou mais reconhecimento a partir de 2015, 11 anos depois de sua morte, quando A Manual for Cleaning Women recebeu uma nova edição e foi selecionado como um dos melhores do ano pela The New York Times.

Também retomei autores que me encantam e que prometi para mim mesma que, pelo menos uma vez ao ano, eu deveria lê-los. Depois de tantos livros que me tiraram o fôlego de Philip Roth, Casei com um comunista não me impressionou muito. De Roth, prefiro os que li ano passado. O gigante enterrado, de Kazuo Ishiguro, é de uma beleza infinita e está entre um dos livros mais sensíveis que li na vida. A guerra não tem rosto de mulher também é de doer o coração e arrancar lágrimas, mas preferi O fim do homem soviético e Vozes de Tchernóbil.

Tentei ler duas obras de ficção científica, mas foram dois relacionamentos complicados. Com certeza não vou insistir novamente nesse gênero tão cedo. 

Uma coisa muito boa que aconteceu este ano foi ter entrado para a equipe de redatoras do Querido Clássico. Para mim, essa oportunidade não deixa de ser um fruto deste projeto pessoal que comecei lá no início da pandemia de ler mais, escrever resenhas, pesquisar novos autores e manter este diário de leituras ativo. Fazer parte deste time é ter meus textos lidos e valorizados enquanto compartilho com outras pessoas interesses parecidos e leio também outros textos maravilhosos (como eu já vinha fazendo desde o ano passado, quando entrei no Clube do Livro Querido Clássico). Por conta desta nova realidade remota, eu estava sentindo muita falta de fazer parte de uma comunidade que compartilha não apenas os mesmos interesses, mas também o drama de ler, escrever e ser lida. 

Outra conquista este ano foi fazer minha carteirinha da New York Public Library. Parece bobo, mas essa carteirinha tem um significado muito especial para mim. Não só porque eu amo bibliotecas e a NYPL tem toda uma aura especial por causa do filme Os Caça Fantasmas, ou porque a biblioteca em si é linda, e eu poderia ficar aqui listando mil motivos... Mas, também, porque significou, finalmente, que eu cheguei ao meu destino depois de tanto tempo e, com um comprovante de endereço no meu nome, pude criar um vínculo com o lugar que estou. (sim, eu sei, bem cultura brasileira de cartório isso!)

Dia 8 de outubro publiquei esse Stories no Instagram: "Agora tenho minha carteirinha da biblioteca pública de NY e cá estão os primeiros empréstimos". Os empréstimos eram Evening in Paradise e A Manual for Cleaning Women. Eu já sabia o quanto significava a carteirinha para mim, mas não esperava que fosse gostar tanto da Berlin

Mas, finalmente, a curiosidade é como o lugar e o momento que estamos vivendo influenciam as nossas leituras. Apesar dos quatro meses vivendo no Chile, eu estava lá de passagem. Enquanto não estávamos de lockdown, aproveitamos bastante Santiago, mas eu não me senti em nenhum momento "conectada". Não li absolutamente nenhum autor Chileno, nada. Apenas notícias relacionadas à pandemia, fronteiras, taxas de contágio, hospitalização e morte. Eu estava ali apenas contando o tempo para fazer o que eu tinha que fazer e ir embora. Não conseguia "me envolver". 

Só quando chegamos aqui em Nova York, depois de uma saga de um ano e meio que envolveu dois países, muito dinheiro e muitos - muitos mesmo - fios de cabelo, eu consegui me "conectar". Os livros de Edith Wharton e Henry James me cativaram enormemente: três romances que se passam em Nova York no fim do século XIX e início do XX. Eu não me sinto uma estranha nesta cidade e, apesar dos problemas, eu adoro estar aqui e quero continuar. Todas as referências familiares que fui lendo ao longo das narrativas são pequenas estrelinhas de satisfação. Ao chegar no final, é possível montar a constelação e, por isso, tanto prazer na leitura destes livros. 

Inclusive, há dois dias pegamos o metrô direção downtown e fiz questão de andar pela Washington Square. Fui pensando na Nova York de Henry James, onde seria ali a residência Sloper. Fui dizendo, com brilho nos olhos, como é incrível o tempo passar, o entorno mudar, mas a Praça continuar lá, praticamente intacta, mais de um século depois. Será que Henry James tinha a mínima ideia da resistência temporal deste marco urbano de uma cidade que tanto muda quando escreveu seu romance? 


Dia 29 de dezembro, eu de costas em direção ao Arco da Washington Square

Essa associação lugar - leitura é com certeza o que tem feito eu ficar praticamente obcecada pelos contos de Lucia Berlin.  Além de todos os méritos como contista e sua habilidade narrativa incrível, Berlin tem como referência sua própria vida - estou dizendo, mas pisando em ovos, que ela faz autoficção. Nasceu no Alaska, viveu no Texas, mudou-se para o Chile, de volta aos EUA, viveu em New Mexico, mudou-se para Nova York, California, Mexico de novo... Seus anos como adolescente no Chile lhe ensinaram o espanhol e, portanto, a autora dominava a diferença entre ser e estar. Em seus contos, ela mostra como ela estava em todos estes lugares. Por toda uma vida, Lucia Berlin estava em vários lugares... Mas ela nunca conseguia ser nestes lugares. 

Quando ela fala sobre o Chile, ela me toca de uma maneira que nenhum autor chileno conseguiria. Como alguém "de fora", que está lá de passagem, o Andes que ela via ao redor de Santiago é o mesmo Andes que eu via. A mesma coisa em Nova York: sua família materna era do Texas, sua vida anterior foi dividida entre o interior dos EUA e um país latino-americano. Aqui em Nova York, o metrô, as ruas, o cheiro, a praça que Lucia via e descreve em seus contos é exatamente a Nova York que eu vejo e vivo. Ao mesmo tempo, a construção narrativa dos contos é mágica... Parece que a narradora está bêbada, flutuando. Como aquelas cenas de filme em que a alma se desloca do corpo e fica assistindo o que acontece com sua materialidade de longe, sem poder interferir. 

Enfim, é uma retrospectiva. Então, segue a lista abaixo começando pelo último livro lido para o mais antigo. Como no ano passado, os livros em negrito são os que eu mais gostei. Aliás, gostei de todos desta lista, menos o 6 e 16 que, como disse antes, são os livros de ficção científica. 

Obs: Não tive tempo ainda de escrever sobre A Sucessora. Vou escrever na próxima semana e depois atualizo o link aqui. [Atualizado]


1. A Sucessora - Carolina Nabuco

2. Evening in Paradise - Lucia Berlin

3. Washington Square - Henry James

4. O dia em que Selma sonhou com um Ocapi - Mariana Leky

5. The House of Mirth - Edith Wharton

6. The left hand of darkness - Ursula K. Le Guin

7. A época da Inocência - Edith Wharton

8. A manual for cleaning women - Lucia Berlin

9. Dracula - Bram Stoker

10. Nu, de botas - Antonio Prata

11. Just Kids - Patti Smith

12. A insustentável leveza do ser - Milan Kundera

13. Casei com um comunista - Philip Roth

14. A guerra não tem rosto de mulher - Svetlana Aleksietich

15. O gigante enterrado - Kazuo Ishiguro

16. O problema dos três corpos Vol. 1, 2 e 3 - Cixin Liu

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Ano que vem, pretendo ler pelo menos uma obra de autores que já conheço: Kazuo Ishiguro, Henry James, Huraki Murakami, Philip Roth e Svetlana Aleksievitch. Já tenho dois autores que não conheço mas que já estão na fila de espera: Nathaniel Hawthorne e Katherine Mansfield. E, é claro, ao longo do ano ir conhecendo novos. Gostaria, em 2023, de ler mais contemporâneos. 

2 comentários:

  1. Que retrospectiva gostosa de ler! Se existe algo que acho sublime é quando o que estamos lendo, ouvindo ou assistindo se conecta de forma sublime e subjetiva ao momento que estamos vivendo. É poder observar a arte em nossa vida, nosso cotidiano. Ler sua retrospectiva foi ver isso: a arte intrínseca aos acontecimentos recentes da sua vida. Dos seus livros lidos, só conheço Drácula e A Sucessora, este último ainda não li, mas tenho grande vontade. Que barra seu companheiro ter ficado doente, espero que ele esteja recuperado e que 2022 traga muita saúde para vocês!

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  2. Caramba, que ano o seu! Fico muito feliz que a sua vida está se encaixando do jeito que você sonha. Concordo com você sobre a leitura slow, ler sem aproveitar cada minutinho não vale a pena. Suas leituras foram poucas, mas foram de qualidade, isso que importa! Feliz ano novoQ
    Abraços!
    claraaoliveira.blogspot.com

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