Minha estréia em ficção científica e uma reflexão sobre a passagem do tempo e sensibilidade

O tempo está passando de uma forma muito estranha para mim. Não é rápido, tampouco devagar. É uma constante espera, cheia de imprevisibilidade, que faz o tempo presente ser extremamente vagaroso, enquanto o passado parece ter acontecido num estalar de dedos. 

Quando penso que já estamos entrando na segunda quinzena de Abril, fico com a sensação de que eu não tive tempo de escrever sobre a trilogia "O Problema dos Três Corpos" do autor chinês, Cixin Liu. Eu virei 2020-21 lendo o primeiro volume e, aos trancos e barrancos, passei os meses de Janeiro e Fevereiro lendo os volumes dois e três. 

Mas como eu não pude ter tempo de escrever se meus dias são inertes e contabilizam - assustadoramente - horas excessivas e não-saudáveis de tempo gasto em frente a tela do celular?

Entre Março e Abril, também aos trancos e barrancos, li metade do livro de Stephen Hawking, "Uma breve história do tempo". Entre catálogos de livros de viagem sobre paisagens turísticas chilenas, estava esta obra - em espanhol, claro - disponível na mesinha de cabeceira. Quão irônico é isso? Decidi, voluntariamente, enterrar esta questão. 

Este mês comecei outro livro e percebi hoje, dia 15 de abril, que se eu não escrever sobre "O Problema dos Três Corpos", ele ficará perdido para sempre no tempo e, aos poucos, se esvaindo da minha memória. 

E já que o tempo está sendo tão ingrato comigo, decidi enfrentá-lo e escrever minhas impressões hoje, sem rodeios, mesmo que de maneira breve e incompleta. Não importa o que aconteça e qual seja minha motivação.  Hoje estas linhas saem do plano das ideias para o papel, digo, computador. 

É o problema matemático dos três corpos que intitula o primeiro livro da trilogia de Cixin Liu.
 

 Eu nunca tinha lido ficção científica, apesar de gostar muito do gênero nas telas e meu marido ser um grande leitor. Me interessei pela obra do Cixin Liu porque também nunca tinha lido um autor chinês e neste tempo histórico, é importante se voltar para a China. Como meu olhar não é econômico, geopolítico, ecológico, mas sim cultural, Cixin Liu me pareceu uma boa estreia para a literatura contemporânea chinesa e, de quebra, ficção científica. Por isso o livro me cativou logo nas primeiras páginas: uma parte da narrativa é ambientada nos anos 1960 na Revolução Cultural Chinesa.

Os livros são relacionados e, ao mesmo tempo, independentes entre si. O segundo e terceiro são expansões do que é iniciado no primeiro. Surge o problema, mas a história continua com outros problemas, outros personagens e uma passagem temporal tão grande, cheias de idas e vindas, que ficou confuso - mas não impossível. O mérito da leitura (pelo menos o que mais me interessou) foi a junção dos elementos da astrofísica com as grandes questões metafísicas da humanidade. Estes elementos são bem trabalhados nos dois primeiros volumes, mas se perdem no terceiro e, por isso, este último foi o mais difícil de concluir a leitura. 

O primeiro foi meu favorito. Através de um jogo de realidade virtual, nosso protagonista "entra" num mundo diferente e a partir de personagens e fatos da nossa própria história da ciência, vai descobrindo que lugar é este e quais os "problemas" naturais que devem ser compreendidos e resolvidos. Eram meus capítulos favoritos. O primeiro livro junta questões da astrofísica, história da ciência e história política e cultural da China com suspense de uma maneira muito didática e envolvente. 

No segundo volume, o problema já está colocado e a história pode ser resumida com um "como vamos resolver essa questão e não vamos todos morrer?". O problema do problema é de que qualquer solução não pode ser falada, tampouco demonstrada. Ela não pode ser comunicada sob nenhum pretexto. Por isso, esta empreitada fica nas mãos de meia dúzia de pessoas, sendo uma delas nosso protagonista. Acompanhá-lo nessa trajetória também é muito interessante. 

No terceiro, tudo se perde. Percorremos um espaço temporal e galático gigantesco, que resulta num descolamento da ficção com o que é palpável, concreto. Tudo se torna imensamente abstrato e, por isso, fora de contexto da nossa realidade, ao menos do que nos é tangível. Eu não conseguia mais ver sentido no que estava lendo. Por que ficar lendo sobre explosões do sol, planetas a milhões de Unidades Astronômicas de distância da terra e cérebros descolados de seus respectivos corpos que ficam vagando pelo espaço que se passam daqui 600-800 anos, sendo que nossa preocupação atual é sobreviver dia a dia e chegar no mês que vem? Infelizmente, é o maior volume de todos. 

Não estamos vivendo um momento fácil e a imprevisibilidade me consome. Lidar diariamente com a ansiedade, aprender a não me cobrar demais e, ao mesmo tempo, não me abandonar e aprender a me cobrar um pouquinho, tem sido muito difícil. Por isso a leitura lenta e a demora em doar este tempo para a escrita. Estou sentada o dia inteiro em casa e extreamamente cansada. Parece que o jeito é aprender a lidar com isso. Assim como aprender a lidar com esta nova forma de passagem do tempo. 

A passagem do tempo, além da dimensão física e natural, é uma percepção. De 1990 até março de 2020, eu aprendi a ter uma percepção temporal. A pandemia fez surgir novas relações e dinâmicas do indivíduo e da sociedade com o tempo, portanto, uma nova sensibilidade de passagem temporal que ainda estamos tentando conhecer. Por isso, a ficção científica de Cixin Liu, ou Stephen Hawking e seu livro de divulgação científica sobre o tempo, me parecem ser um pouco incompletos. Por mais interessantes que sejam, as leituras me deixaram com a sensação de que faltava algo. Com certeza isso diz mais sobre mim e minha experiência de tempo/espaço de leitura do que sobre as obras em si.

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