O Apanhador no Campo de Centeio - reflexões sobre crescer e ser phony

Eu nunca tinha ouvido alguém falar diretamente sobre O Apanhador no Campo de Centeio do tipo "Li, achei legal/uma bosta e recomendo/não recomendo". Mas eu já tinha visto várias vezes pequenas citações em variados lugares que agora não sei nomear. Ano passado, a Todavia publicou uma nova edição e aí sim vi bastante coisa publicada sobre a obra. A verdade é que a literatura norte-americana não nos é muito popular. O que chega até nós de forma marjoritária é através de filmes e, The Catcher in the Rye, não tem e nunca terá uma adaptação. 

O livro mexeu bastante comigo. A habilidade e os recursos usados para nos identificar de forma tão intensa com o protagonista/narrador, o adolescente de 16 anos Holden Caulfield, é impressionante. It depressed the helluva me. Considerando O Complexo de Portnoy, esta foi a segunda leitura do tipo monólogo que leio em pouquíssimo tempo. E, de novo, em Nova York. 

O livro estava com uma boa promoção na Book Friday da Amazon e eu decidi ler em inglês. Foi uma experiência que me fez sentir tão sortuda e privilegiada por conseguir ler esta obra no original. O livro é muito "nformal" e por isso fácil. (Tentei já ler "This Side of Paradise", F. Scott Fitzgerald, no original, mas são tantas metáforas que eu não consegui. Talvez mais para frente) Toda hora Holden chama a atenção do leitor, seja com um "Listen", ou "I wish you were there". É um Holden nos contando sobre um fim de semana de sua vida... Nada de extraordinário, emocionante. Simplesmente é como uma entrada em um diário sobre uns dias passados, ou uma longa carta contando algo pessoal para alguém. 

Portanto, não é a ação que mais nos encanta no livro. E sim as reflexões, os incômodos de Holden ao sair da infância e entrar a vida adulta - que é extremamente "phony". Essa palavra apareceu uma vez e logo pensei em "fake". Ok. Continuamos. Mas aí ela aparece over and over and over. Holden faz críticas severas à uma série de personagens e certas atitudes acusando-as de "phony". 

Aos poucos, como brasileira - uma estrangeira lendo esse livro escrito por um americano, sobre a sociedade americana aos olhos de um adolescente americano - fui vendo esse "phony" não apenas como falso, mas como um falso cafona, brega. Quaaaaaaaase como uma "falsiane". E nós brasileiros, que já fomos aos EUA, já conversamos com os norte-americanos, temos a sensação do quanto eles são "falsos" não de uma maneira maldosa, mas sim superficial. O jeito que conversam, se mostram interessados e prestativos, não parece genuíno ou... Sincero. Não estou chamando-os de mentirosos, apenas de não sinceros aos nossos olhos de latinos. Poderíamos talvez dizer que são extremamente individualistas? Talvez. Várias vezes eu e meu marido falamos como quando a gente pede algo e eles respondem "Absolutely" com um sorrisinho parece uma reação forçada. Mas, de novo, não por maldade, mas porque "eles são assim".

Acho que esse "phony" que tanto incomoda Holden é justamente esse tratamento protocolar nas relações sociais da cultura norte-americana marcada por uma falta de genuidade e completamente supercial. Como por exemplo, quando ele vai ao teatro com uma amiga/namorada e ela encontra um conhecido. Ao conversarem, ela pergunta o que ele achou e esse amigo responde que "a peça em si não é uma obra de arte, mas os protagonistas são anjos." E Holden fica IN-DIG-NA-DO. Anjos? Como assim? É fácil entender como este é um comentário sem profundidade, apenas para parecer bonito. E, no final, o que incomoda Holden é justamente esse contínuo esforço do mundo adulto de "se parecer bonito". 

Nem preciso dizer como Holden ficaria imensamente deprimido se visse as redes sociais do mundo pós-digital. É na internet onde conseguimos exacerbar nossa cafonice falsa, brega, travestida de palavras bonitas. Não há lugar no qual conseguimos ser mais phony do que no Twitter, Instagram, Youtube, etc. 

Eu li análises muito legais, muito legais mesmo na internet sobre o livro. Parece que, nos EUA, The Catcher in the Rye é quase uma leitura obrigatória, de tão forte que está no imaginário popular e na cultura pop norte-americana. No entanto, foram dois vídeos que eu achei mais legais e elucidativos do quanto esta é uma obra tão rica e especial. É quase um mini curso em duas partes de mais ou menos 20 minutos. 

Language, Voice, and Holden Caulfield - The Catcher in the Rye Part 1

Holden, JD, and the Red Cap - The Catcher in the Rye Part 2

É um livro que eu adorei ter lido. Tudo é simbólico, tudo significa alguma coisa: o chapéu, o Museu, o carrossel, os patos... Em algums momentos, Holden compartilha uma tristeza tão grande, uma decepção e depressão com o mundo, que é impossível não se sentir como o próprio Holden: sozinho e triste. Quando ele fala sobre seu irmão pela primeira vez, eu chorei. Apesar de o livro ter sido escrito em outro tempo e lugar - EUA na década de 50 -, ele é bastante palpável, muito atual e sensível para a sociedade ocidental e, tantos anos depois, daqui do Brasil, continuamos a nos identificar e ter profunda compaixão com Holden Caulfield e seus problemas em crescer. 

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