Caçando Carneiros: depois dos 30, o que há é um grande "?"

Se o livro perfeito para toda criança de 11 anos é Harry Potter, o livro ideal do adulto prestes a fazer 30 anos é Caçando Carneiros.

Eu comecei a ler Haruki Murakami por um motivo muito mesquinho: pela capa. A arte da Companhia das Letras nos livros do autor japonês me encanta e, numa feira de livros, lá estava Kafka a Beira Mar. Achei lindo, com desconto, e comprei. Devorei o livro, achei maravilhoso, depois disso li 1Q84 em janeiro e, por último - já na quarentena- Caçando Carneiros.

Curiosamente, 1Q84 foi quase uma previsão: assim como os protagonistas, de uma hora para outra euzinha me vi numa realidade paralela onde "quase" tudo parece igual, mas não é.

Em Caçando Carneiros, o protagonista não-nomeado entra numa jornada em busca de uma criatura mística (um carneiro estrelado) nos últimos seis meses de seus 29 anos. Em setembro, eu também completo 30 anos. Por que sair da casa dos 20 é inquietante? Incômodo? Por que essa mania chata de marcar e atribuir significados às temporalidades? Por que essa busca por valores, sentidos e criaturas místicas que não sabemos nem se existem de fato?

"Eu tinha vinte e nove anos. Dentro de seis meses, diria adeus à casa dos vinte. Uma década vazia. Nada do que eu conquistara tinha valor, nada do que eu realizara tinha sentido. Tédio era tudo que eu obtivera."

E diante deste momento de transição, fica a questão: os 30 serão uma continuação dos 29? Mas de uma hora para a outra, ele é confrontado a abandonar tudo, soltar qualquer laço ou lembrança da vida dos 20, para partir numa caça de dois meses a um animal místico, sem saber qual será o resultado ao fim deste prazo. Eu, de fato, estou vivendo a transição 29-30, mas a quarentena/ COVID/ corona vírus/ pandemia (são tantos nomes para a mesma coisa) está sendo um período de passagem comum a todos da minha geração. A transição para uma incógnita, cujo depois a gente até tem alguma ideia do que será, mas não sabe exatamente o que. Só sabemos que a casa dos 30 não será igual aos 20, não só na relaçao de nós com nós mesmos, mas de nós com o mundo.

Muito difícil saber lidar com esse momento intermediário. Aceitar o que era e o que será é mais simples, mas o agora indefinido é ainda um desafio.  

Outro ponto-mais-que-perfeito-e-didático de transposição da narrativa de Murakami para nossa vida-que-parece-ficção-mas-não-é é o nome. Nenhum personagem do livro é nomeado e, se isso parece estranho, percebe-se que o nome é dispensável, indiferente para a narrativa. Além disso, muito safadinho esse Murakami! Afinal, quem não sofre para nomear as coisas? Desde a primeira atividade infantil de escrever um texto de ficção, uma das partes mais difíceis (na minha opinião) é nomear os personagens. Recentemente, eu quase chorei procurando um nome para a minha dissertaçao de mestrado. Olha o nome desse blog. Eu odeio ele, mas não consigo pensar num melhor. Essa tentativa de dar match entre signo, significado, significante, e outros sigs, é 99% das vezes frustrante.

"- Gatinho, gatinho - chamou o motorista sem estender os braços, mais que compreensivelmente. - Como é que ele se chama?
- Ele não tem nome.
- Como assim? De que jeito o chamam, nesse caso?- Não o chamo, simplesmente. - respondi. - Ele apenas existe."

Incrível como o inimigo comum invisível é bem nomeado: SARS-CoV-2. Siglas, letras maiúsculas, minúsculas e até um numeral. Mas para facilitar na linguagem corrente, tem também a designação COVID-19, ou Corona Vírus. Na verdade, nem eu sei muito bem a diferença entre um termo e outro, mas é de compreensão comum não especializada à que esta diversidade de nomes se refere. O que não tem nome são os números: os mortos, os infectados, os desempregados, os excluídos... Todos estes "apenas existem" e fazem parte de estatísticas.

Nos momentos finais de procura ao carneiro estrelado e de seus 29 anos, o protagonista se encontra num confinamento involuntário, numa casa sem vizinhos, construída num vale isolado de difícil acesso. O protagonista passa seus dias de solidão refletindo, comendo, fazendo pão, ouvindo música, e tentando controlar o aumento de peso com exercícios físicos matinais. Este livro foi publicado em 1982. Não consigo deixar de pensar que ele somos também todos nós, dos 28 aos 32 anos, mais ou menos, vivendo o ano de 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário