Há um tempo não lia biografias, tampouco autores brasileiros: quebrei o jejum com a biografia de Jorge Amado

Pela primeira vez na vida, quero falar sobre um livro que eu não gostei. Geralmente sou a entusiasta, que lê por puro gosto e afinidade, sem críticas ou refinamento. Se eu não gosto da leitura eu simplesmente paro ou, pela própria resenha, julgo o livro pela capa e nem vou adiante. A última vez que me lembro que isso aconteceu, foi com "Por quem os Sinos Dobram". Eu tinha tanta expectativa, afinal, Hemingway é um autor tão reconhecido, importante, ativista... E essa obra tinha vários temas enriquecedores e nobres:  a Guerra Civil Espanhola, vista e vivida de perto pelo autor, que também tem toda uma áurea grandiosa. Além disso, uma pessoa que eu admirava muito tinha elogiado esse livro para mim há muito tempo e, portanto, eu achava que "se X disse isso, é porque é realmente bom". No fim, após a leitura completa, percebi que minha expectativa era muito elevada e o livro não era tudo isso. Me lembrou aquelas castanhas caramelizadas de um quiosque comum de shoppings: o cheiro é muito mais gostoso que o gosto.

A literatura (auto) biográfica e memorialista me encanta muito. Talvez pelo meu trabalho com cartas em arquivos pessoais, a narração de vida, feita tanto pelo próprio indivíduo quanto por um terceiro, é um assunto de meu grande interesse. É uma dimensão onde o concreto e o imaginário se fundem, o real e a imaginação tornam-se uma coisa só. Não é possível colocar neste espectro nenhum tipo de julgamento moral, tampouco de conceituação de verdade ou mentira. Para mim, o anedota mais didática possível é sobre os relatos dos marinheiros das Grandes Navegações que diziam ter visto sereias ou monstros marítimos em alto mar. Eles viram de fato estes seres? Sim, eu acredito que sim. Eles compreenderam o que viram de acordo com o mundo que lhes foi apresentado e isso deve bastar.

Acompanho nas redes sociais uma instituição cultural voltada para a literatura que, nestes tempos de pandemia, oferece atividades onlines. Me interessei muitíssimo, portanto, pelo curso de quatro encontros sobre biografias, que será ministrado pela autora Josélia Aguiar. Nosso currículo acadêmico tem algumas afinidades (como sua pós-graduação em História Social, na mesma instituiçao onde acabei de concluir o mestrado) e sua obra recentemente publicada, "Jorge Amado: uma biografia", ganhou o Prêmio Jabuti. De novo, grande expectativa.

O que se sucedeu, porém, foi uma constante "quem sabe o próximo capítulo melhora" e, no meio, só decidi continuar porque, "já estamos aqui, né!".

Jorge Amado é um personagem da nossa história recente já amplamente conhecido e popular que, como a própria autora diz, graças as várias adaptações em novela, miniséries e filmes, a imagem do autor baiano é associado, muitas vezes, à imagens que ele próprio não era responsável (como a Gabriela Cravo e Canela em cima do telhado pegando uma pipa). De qualquer maneira, estudamos Jorge Amado na escola, exaustivamente fala-se dele em várias lugares diferentes e, durante grande parte de sua vida, teve grande exposição midiática. Zélia Gattai, sua esposa, publicou memórias sobre a vida do casal, uma biografia na década de 60 também já havia sido publicada por Miécio Táti... Além disso, como cereja do bolo mas não menos importante, vivemos na era do Google e Wikipedia. O que tudo isso significa? Que o livro foi uma decepção porque trouxe ao longo de 500 páginas uma cronologia em forma narrativa.

Frases curtíssimas completam parágrafos apenas informativos. Informações que, em sua grande maioria, podem ser consultadas nas memórias de Zélia Gattai e textos biográficos no Google e na mídia.

De forma cronológica, a autora nos apresenta todos os tijolos, mas não a casa. Faltou o sentido, uma ideia que guiasse tudo o que foi apresentado da vida de Jorge Amado. Faltou uma defesa, ou uma acusação. Faltou o aspecto sensível que desse significado ao conjunto de informações que, ao meu ver, ficou jogado. Sem didática, a biografia nos é apresentada como nos é ensinado história pela professora que escreve na lousa as datas, nomes de pessoas e eventos históricos e faz seus alunos copiarem.

A narrativa em torno de uma vida, seja ela uma biografia, uma autobiografia, uma memória, um depoimento, uma breve carta onde eu falo sobre quem eu sou e como foi meu dia, tem o poder de aproximar o leitor e o biografado. A força narrativa cria compaixão, amizade, carinho e às vezes repulsa: tudo depende de como é apresentada essa vida do outro para o leitor. Infelizmente, Josélia Aguiar apresenta um Jorge Amado sem sal. Percebe-se que sua vida foi atribulada e cheia de relações e ativismo, mas não cria compaixão. Não nos ajuda a compreender um pouco mais de sua personalidade e de sua obra, para além do que já é dito em meios comuns sobre sua origem baiana e afiliação comunista.

O curso começa semana que vem. Ainda estou decidindo se me inscrevo ou não.

(Finalmente, um desabafo. Como sou analfabeta nesse mundo digital! Meu deus... Investi horas de esforço nesse blog, tentando melhorar o layout. Tirei até uma foto da minha estante de livros (super falso, porque eu leio mais no kindle), mas não consigo deixar um layout bacana. Sei lá... Se eu continuar escrevendo aqui, talvez me dê de presente um blog melhor terceirizando alguém que entende mais disso.)

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