Resenha - A Revolta da Vacina
A Autarquia Paulista
O projeto federalista
Eu já postei as questões 2 e 3 da prova de Brasil Independente I que eu fiz semestre passado. Agora é a vez da primeira questão, que trata sobre o possível destino federalista do Brasil que foi escondida pela história oficial que sempre privilegiou o projeto monarquista de unidade nacional.
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No início de seu texto, Evaldo Cabral de Mello vai nos dizer de maneira bastante clara que a historiografia da Independência tendeu a reproduzir a versão contada originalmente, valorizando a “vitória” da monarquia e da unidade nacional. No entanto, havia sim um projeto federalista que foi escamoteado pelos estudos do período e que a unidade territorial não era o destino do Brasil. Diante de um impasse entre as províncias do norte e as províncias do sul, a preservação da unidade brasileira, porém, era usada como argumento principal para a organização de um legislativo.
Com a chegada da família real e o enraizamento dos interesses portugueses no Rio de Janeiro, o Império Brasileiro se encontrou numa situação de extremo desequilíbrio. A capital do reino, agora com um enorme contingente de pessoas e uma necessidade de adaptação urbana e administrativa para atender os interesses da Corte portuguesa, se viu diante da necessidade de maiores quantidades de dinheiro que vinham, em sua grande maioria, das capitanias do norte. Em “Preciso” – Nota de José Luís de Mendonça, se referindo aos impostos dirigidos à Corte do Rio, ele diz: “Depois de tanto abusar da nossa paciência por um sistema de administração combinado acinte para sustentar as vaidades de uma corte insolente”. É por isso que a chegada da família real, antes de confirmar uma unidade brasileira em torno de si, vai, na verdade, acentuar regionalismos que já existiam. É importante salientar que não havia um sentimento de unidade. Mesmo quando foram formadas as Juntas provinciais, os deputados enviados às Cortes não representavam o Brasil, eles representavam suas próprias províncias e defendiam seus interesses locais. Em “Preciso”, a “pátria” a que José Luís de Mendonça se refere é o seu lugar de nascimento, a província de Pernambuco.
No início da década de 20, vai-se defender a “constituição de um corpo legislativo em território brasileiro, paralelo ao Congresso de Lisboa” cuja justificativa maior, como foi dito acima, estará na manutenção da unidade tanto brasileira, quanto do reino luso-brasileiro. As elites nortistas, no entanto, viam na formação de uma Assembléia a chance de se verem livres tanto do sistema colonial imposto por Lisboa, quanto pela subordinação que deviam à Corte no Rio de Janeiro. Como a Lúcia nos fala, a Assembléia Constituinte não visava, de fato, uma separação entre Brasil e Portugal, mas tinha lá sua ousadia, pois previa o direito de o Brasil fazer suas próprias leis.
O problema central dos debates entre os deputados do Brasil e de Portugal se tornou a questão da autonomia. Assim, em Outubro de 1821, Dom João assina um decreto proposto pelas Cortes na sua primeira tentativa de organização do Império Português. Este Decreto de Outubro de 1821 transformava as capitanias em províncias e depunha todos os governadores nomeados por D. João; as províncias, quando formassem as Juntas Provinciais, seriam reconhecidas legitimamente e seriam estas Juntas as responsáveis pelo controle dos governos regionais. Como afirma Márcia Berbel, esta possibilidade de os governos provinciais serem escolhidos pelos âmbitos regionais é um nível de autonomia inédito, não conhecido pela “América Portuguesa durante todo o período colonial”.
Também como nos mostra Márcia Regina Berbel, a província de Pernambuco, que já tinha tido uma experiência na formação de Juntas para o governo local com o movimento revolucionário de 1817, aceitou a implementação do Decreto de Outubro de 1821 quando este ainda era um projeto e estava em fase de discussão. O Decreto não só permitia a destituição do governador nomeado por D. João VI que se mostrava contra à eleição de uma Junta Provincial em Pernambuco, mas também anulava a existência do Reino do Brasil, a partir do momento em que eliminava as funções centralizadoras do Rio de Janeiro e exigia o retorno de D. Pedro, cuja permanência no Brasil aterrorizava os portugueses, uma vez que se D. João VI morresse, o herdeiro estaria aqui. Assim, é possível entender com clareza o que Evaldo propõe: mesmo se os deputados não lutavam por uma separação, ainda sim, não é possível pensar que priorizavam a unidade do Brasil, pois como ilustra o exemplo acima, o decreto aceito pelos pernambucanos destruía o papel centralizador do Rio, reforçando a autonomia para cuidarem de seus problemas internos e as escolhas de governos em âmbito local. O que eles buscavam eram o autogoverno e os princípios liberais, uma constituição e a representatividade, o que Evaldo chama de “precondição do triunfo do federalismo”.
O Decreto, porém, não era de todo perfeito. Ele apresentava uma dubiedade: ao mesmo tempo em que fortalecia a autonomia regional, ele abria uma possibilidade de intervenção do governo central, uma vez que o controle das armas nas províncias seria feito diretamente pelo governo central de Lisboa. Essa brecha, ao lado de outros fatores, como o envio de soldados para Salvador sem o consentimento dos deputados baianos, a impossibilidade de qualquer solução definitiva para a questão brasileira e sua união com o Império Português sem ser uma relação de subordinação e o “parecer da Comissão sobre os Negócios do Brasil acerca dos procedimentos da Junta de São Paulo e dos últimos atos do príncipe regente”, foram vistos e considerados como medidas retrógradas, que contribuiriam para a volta do antigo estado colonial do Brasil. Assim, uma aproximação entre os deputados das diferentes províncias e uma aliança à política de D. Pedro foi acontecendo muito mais porque o Congresso de Portugal era um fator comum que a todos eles desgostavam, do que por um possível sentimento de “brasileirismo”. Para se ter uma concretude da possibilidade de um regime federalista para o Brasil, João José Reis em seu panorama de revoltas baianas entre o período de 1824 e 1838, vai nos mostrar que em 1831 e 1832 ocorreram duas revoltas federalistas em São Felix, sendo uma das poucas revoltas com uma proposta de programa a ser cumprida a longo prazo, - fato que indica uma certa organização destes grupos que vão contra uma unidade política sob a hegemonia exercida pelo Rio de Janeiro.
O que os três autores tentam nos passar é que, ao contrário do que uma historiografia mais fiel ao discurso original do período da Independência tenta nos dizer, a independência do Brasil não foi resultado de um sentimento comum a todas as regiões que queriam se ver livres das garras metropolitanas de Portugal, muito menos de “uma consciência nacional profunda”. Algumas províncias estavam muito mais ligadas ao governo português do que à Corte no Rio de Janeiro (na Proclamação do Novo Governo de Pernambuco, os portugueses são considerados irmãos e a discórdia entre portugueses e os habitantes da província foram causados por “sementes de discórdia”) e uma aspiração a um autogoverno constituía um projeto federalista que tinha tudo para acontecer, mas que por causa de um “jogo de ações e reações entre as Cortes portuguesas e as elites do Novo Mundo”, a independência foi o resultado de “um processo que evoluiu no dia-a-dia”. Não é a toa que ela foi concebida para cada um num momento diferente e o sete de setembro não teve grandes significados para os contemporâneos do grito do Ipiranga.
O embate entre os ideais e a realidade política durante as independências da América Latina
Nada mais conservador do que um liberal no poder...
Regrinhas para notas de rodapé
O passado é sempre melhor que o presente?
Fico feliz por compartilhares essas especulações. Realmente, foi sendo
construída, ao longo dos séculos, principalmente após o homem ter
descoberto que costumes e hábitos são produtos históricos, uma certa
nostalgia em relação ao passado. O ontem aparece como modelo positivo
e melhor se comparado com o presente vivido. A questão central está no
fato de o "presente" ser percebido negativamente porque se está a
viver, a sentir na pela a pressão do estar vivo e na tensão das
decisões momentâneas. Se foi na antiguidade o início de tais
especulações, será na Época Moderna que elas terão aprofundamento
filosófico e, por sua vez, antropológicos e sociológicos. Vês como a
Época Moderna é fundamental? Nela se encontram todos os elementos da
argamassa que solidificou o edifício da História Contemporânea.
As facções políticas, a população, a Balaiada e a Revolta dos Cabanos
No meio do semestre, a professora de Brasil Independente nos deu, em uma semana, três questões para a gente estudar. Na semana seguinte ela sortearia uma das três questões que seria a prova. Foi uma semana em que eu estudei demais para fazer as três questões muito bem feitas e tirar mais que sete para não ter que fazer uma segunda prova no fim do semestre. Deu certo, tirei 9 na questão 3, que foi a sorteada. A que transcrevi abaixo foi a questão 2, a mais difícil na minha opinião.
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Durante seu processo de Independência, o Brasil enfrentou muitas revoltas especialmente nas suas províncias do norte. Estas revoltas, muitas vezes, tinham como pano de fundo uma conjuntura socioeconômica carente e uma política bastante confusa. Por causa disso, não é raro encontrar nas revoltas que ocorreram durante este período uma mistura de gente dos mais diversos grupos sociais lutando por ideais que divergiam numa disputa de jogos de interesses tanto por parte dos aliciados, quanto por parte dos aliciadores.
Um grande historiador baiano João José Reis vai mostrar que a realidade em que vivia a população das camadas mais pobres, inclusive os escravos libertos, era bastante caótica. A crise pela qual o atual nordeste passou foi significativo para a baixa qualidade de vida em que viviam essas pessoas. A queda da agro exportação, a espoliação que as províncias sofriam pelo Rio de Janeiro, o crescente nível de desemprego, o descompasso entre o aumento dos preços e do salário, entre outros fatores, como no caso da Bahia, que sofreu com uma forte inflação causada pela falsificação das moedas de cobre, tudo isso contribuía para que as camadas mais pobres sofressem com a fome e com a falta de condições básicas.
Eram estas as pessoas aliciadas pelas elites locais e partidos políticos. Pode se ver nos dois trechos sobre a Revolta dos Cabanos e a Balaiada, respectivamente, que por mais que as críticas de violência e vandalismo sejam dirigidas ás pessoas em geral que fazem parte da revolta, a culpa principal aparece como sendo de facções políticas, os restauradores, no caso dos Cabanos, e os liberais, na Balaiada. Marcus J. M. Carvalho vai dizer que a participação de índios, negros e pardos na história militar do Brasil vem desde o período colonial. Um discurso vazio, de liberdade e promessa de mudança nas condições de vida, em casos mais extremos de liberdade dos escravos, faz essa gente ser o contingente quantitativo das lutas entre as elites locais.
É passível de observação o texto de Domingos José Gonçalves de Magalhães no trecho em que se refere ao líder da revolta da Balaiada: ‘’[...] apresentou-se um certo Raymundo Gomes, homem de cor assaz escura, acompanhado de nove de sua raça [...]’’. João José Reis vai questionar em seu texto até que nível de consciência a elite vai ‘’racializar’’ os movimentos revoltosos populares. Se antes o agente catalisador das revoltas era o antilusitanismo, a necessidade comercial de boas relações com os portugueses, a Independência do Brasil e a abdicação de D. Pedro, vai trazer à consciência das camadas mais pobres que o problema não estava nos portugueses ou na colonização portuguesa, mas numa oposição entre ricos e pobres. Racializar a consciência popular seria garantir a propriedade individual e concentrar a ‘’culpa de todos os males’’ nos negros livres e libertos.
As disputas entre estas elites locais que armavam os pobres e até os escravos para lutarem a favor de seus interesses políticos particulares, trazia o risco de conscientizar esta camada que começaria a lutar pelos seus próprios interesses, pois como diz Marcus J. M. de Carvalho, os homens armados pelas camadas dominantes poderiam aprender a mudar com a experiência. Não é a toa que muitos deles viam no processo de recrutamento uma possibilidade de mudança. Os escravos, por sua vez, encaravam este momento de lutar pelo seu senhor como um meio de obter vantagens. Sem dúvidas, empenhar uma arma em momentos de atrito era uma experiência transformadora, J. M. de Carvalho vai dizer.
A Revolta dos Cabanos é um, entre tantos outros possíveis exemplos, do quanto a experiência nas batalhas é transformadora. Se de início a revolta começou sob a chefia da elite restauradora que defendia o retorno de D. Pedro a fim de recuperar seus privilégios políticos, aos poucos ela vai passar para as mãos do povo que, sob uma liderança (e não uma chefia) vai transformar o movimento, inicialmente de oposição entre facções elitistas, em uma revolta popular. Marcus J. M. de Carvalho descreve a diferença entre chefe e líder, sendo este último, ao contrário do primeiro, aquele que conquista seus seguidores e lhes transmite uma admiração. Na Revolta dos Cabanos, podemos dizer que a liderança de Vicente de Paula foi tamanha que teve sob seu comando os mais diversos segmentos sociais, entre eles escravos fugidos, pobres e índios. A revolta chegou a um ponto que saiu do controle das elites, principalmente quando começou a fazer parte dela os seus escravos fugidos. É importante lembrar que o medo do Haiti ainda reinava e, não era importante só não armar seus cativos, mas também como manter uma estabilidade política para não haver brechas para levantes ou revoltas que contradizessem a ordem.
A Balaiada, por sua vez, não fugirá a regra. Desta vez, a revolta que já começou nas camadas mais populares, sob a liderança do vaqueiro Raymundo Gomes, vai também adquirir grandes proporções em relação à adesão dos diversos grupos sociais e a associação com as disputas dos partidos políticos locais. Porém, o grupo revoltoso se aliará ao partido da ala liberal, os bem-te-vis, que terá como chefe político o líder da revolta, Raymundo Gomes.
Em ambos os casos tivemos indivíduos que através da luta armada se destacaram e viraram líderes; exemplos de como a experiência de empunhar armas é transformadora para os indivíduos que vêem nela a oportunidade de deixarem de serem qualquer um para virarem um líder e/ou um chefe político.
Para concluir, é importante salientar o que João José Reis chama de falta de conteúdo das reivindicações. Quase todos os movimentos tiveram alguma relação com partidos políticos. Em sua grande maioria, as revoltas tinham uma direção política mais liberal e a Revolta dos Cabanos se mostra como uma exceção a regra. No entanto, o que quero dizer é que o lado político que eles defendiam e pelo qual lutavam, de fato, pouco importava. Na Revolta dos Cabanos, eles continuaram defendendo a restauração em favor da política de D. Pedro mesmo após a sua morte. Isto mostra que, na verdade, as revoltas aconteciam muito mais pelas conjunturas sociais, políticas e econômicas problemáticas em que viviam essa população, como nos mostra João José Reis, do que por uma ideologia política. A população era aliciada através de um jogo de interesse, aliava-se a quem mais poderia oferecer. A identidade liberal ou conservadora da revolta faz muito mais parte da retórica de um discurso um tanto quanto vazio das facções elitistas, do que o motivo pelo qual estas camadas mais pobres da população vão, de fato, lutar.