#estacaoblogagem - Se existiu um livro que eu amei e desprezei, este livro foi O Jardim Secreto

 

Semana passada, eu estava em outro tempo e espaço e por isso perdi o tema Ouros da Estação Blogagem. Eu e meu marido tiramos uma mini-férias e fomos viajar para uma cidadezinha maravilhosa na Serra da Mantiqueira. Lá, não ligamos a TV e tampouco abri o notebook. Ficamos recolhidos e isolados com os passarinhos. Não me senti inspirada a escrever, mas quis ler bastante, tomar sol, observar a paisagem, comer bem e dormir. Por isso, vou fazer esse pulinho e partir logo para o tema desta semana: Copas. 

 

Um dia antes de partir para as mini-férias, terminei O Jardim Secreto. Baixei no Kindle quando vi uma promoção que me parecia imperdível. É uma história que me lembra muito as tardes que eu passava sozinha quando era criança. Eu tinha uma fita VHS da coleção Videoteca Criança, da Folha de São Paulo, e assisti o desenho baseado no livro incontáveis vezes. Uma vez ou outra também vi o filme na Sessão da Tarde, mas eu não sabia, na época, que era baseado num livro de 1911. 

Para mim, leitura não tem compromisso. É uma experiência de sentimentos e O Jardim Secreto brincou muito com as minhas emoções. Acho até curioso a coincidência com o tema da semana. 

Minha relação com a obra de Frances Hodgson Burnett foi levemente esquizofrênica. Em certos momentos eu amei e me senti inpirada. Em outros, detestei e achei até nocivo. A verdade é que, apesar de alguns pontos bastante datados da narrativa - e que envelheceram muito mal, é um livro leve, fácil de ler e que me trouxe um suspiro no meio de leituras mais densas. 

É muito forte o tom colonialista. Mesmo não sendo o ponto central da narrativa, a relação de Mary com a Índia é lamentável para quem lê o livro 110 anos depois e do Brasil. O conservadorismo também se mostra presente na hiper idealização da pobreza rural. Ao mesmo tempo que Dickon, Martha e sua mãe e irmãos vivem em situação miserável, são também apresentados como personagens mais puros, mais sensíveis, mais "humanos", em contraste com a rudeza e insensibilidade daqueles da cidade grande - ou "mais civilizados". Eu sei que são características de um estilo muito datado, mas não estamos aqui para fazer uma análise de documento histórico, né? 

Ao lado oposto destes pontos que me deixavam desgostosa e incomodada, as brincadeiras de Mary, sua curiosidade infantil e seu interesse pelas plantas e animais são gostosos de ler e imaginar. Quem não gosta de um jardim? De um verde? Uma brisa e um passarinho cantando? A cada botãozinho de flor que abre no meu vasinho de violeta e orquídea, eu pulo de alegria. (Eu, uma adulta de 30 anos, sempre levo os vasinhos para o Allan para mostrar para ele os novos botãozinhos e florzinhas.) Apesar da enorme distância dos quase 110 anos de diferença entre a publicação do livro e a minha leitura, essa parte me aproximou de Mary, do Jardim e da narrativa.

Ele me inspirou a olhar com mais atenção às minhas plantinhas dentro de casa e, como Dickon e Mary que arrancavam as folhas e raízes mortas para deixar os brotos respirarem, cortei com tesourinha as folhinhas já amarelas e murchas dos meus vasos. 

 




Depois, por coincidência, partimos para a Serra da Mantiqueira nas nossas mini-férias e eu vi a beleza que Mary via no Jardim Secreto em vários cantinhos por onde olhava. Fosse no centrinho da cidade, fosse no jardim em volta da casa avarandada onde estávamos. E eu lembrava do pisco que conversava com a Mary e o Dickon toda vez que observava os passarinhos ciscando a grama em frente a janela da cozinha. 

 

Uma tarde, entrou um passarinho dentro da casa. Ele não conseguia sair e se debatia na parede. O Allan com calma foi até ele, o pegou com tanto carinho e, ao soltá-lo no lado de fora, o passarinho ficou lá no dedo dele. E eu pensei o quanto o Allan era o meu Dickon - o encantador de animais - naquele momento. Foi uma beleza muito grande. 


 

Talvez, uma reflexão que eu gostaria de fazer - quem sabe um outro dia - é a relação do homem com a natureza controlada, organizada, manipulada. A natureza enfeitada em um espaço delimitado e completamente sujeita ao homem. O quanto esta é uma natureza - que não deixa de ser "civilizada" - que nos agrada. Algo completamente aposto, por exemplo, à natureza de Moby Dick, de 1851, que li no começo do ano. A natureza que desconhecemos e não controlamos é ameaçadora, não bonita. Tampouco desejável. (Eu falei um pouco disso aqui.) Daí, poderíamos pensar um pouco sobre outros livros que li este ano sobre a relação do ser humano com a natureza e que partem para outro prisma. Livros contemporâneos, como os da Ana Paula Maia e Olga Tokarczuk falam sobre esta relação conflituosa não a partir do dominar ou ser dominado, mas do integrar-se. (Falei um pouco disso aqui.)

Enfim, a leitura d'O Jardim Secreto foi marcada por altos e baixos. Mexeu com emoções boas e ruins. Apesar dos momentos de revolta e xingamentos durante a leitura, não desgrudei do livro. Só precisei depois de um corte no espaço e tempo - um momento de férias e pausa, no meio da Serra da Mantiqueira, para perceber as partes boas e as belezas do que eu tinha lido.

Um comentário:

  1. Maravilhoso! Parece que você leu o livro certo no momento certo! Tudo se encaixou! Amei! 😘

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