Recapitulando...

Esse semestre foi uma droga. Apesar de eu gostar muito do estágio, ele toma um tempo muito precioso de mim e, pelo fato de eu ter que ir e voltar da USP em horário de pico, eu perco mais tempo ainda no trânsito!

Como consequência, tive que abandonar uma matéria e fazer apenas 3! Três matérias é muito pouco, mas não teve outro jeito. Minhas notas também caíram. E isso me deixa muito triste. Saudades da época do colégio que meu ego ficava lá em cima enquanto eu era uma das melhores alunas. Fechava minhas médias antes mesmo do final do ano letivo e só tirava notas entre 8,5 e 10.

Na faculdade, porém, parece que quanto mais eu estudo, mais eu não saio do lugar. Pelo contrário, parece que estudar é quase em vão, é apenas para não reprovar. Como foi possível eu ter ido tão mal, ter tirado uma nota tão ruim, sendo que eu me esforcei tanto?

Enfim, é difícil, mas eu me esforço para não desanimar. Até para escrever eu estou com muita preguiça. Seria muito legal falar das coisas que aprendi este semestre em História Medieval e até em História Antiga, mas que preguiçaaa... O tempo que estou em casa se tornou sagrado para descansar ou... sempre tirar o atraso das minhas leituras acadêmicas.

Outro momento de epifania foi perceber que nunca mais será possível ter férias de pleno ócio. Ai meu deus, penso como os filósofos gregos que valorizam o ócio como um tempo importante àqueles incumbidos de pensar. Se não pensamos, é porque não temos tempo para isso. Sempre tem algo a fazer!

Mas de qualquer maneira, recentemente aconteceu a feira anual de livros da USP que ocorre sempre no prédio de História e Geografia. Foram 115 editoras com no mínimo 50% de desconto em todos os seus livros. Me deleitei. Gastei mais do que podia, mas estou trabalhando, mereço fazer um agrado a mim mesma. Infelizmente a banca da Cia das Letras tinha uma fila de mais de 1 hora só para poder olhar os livros, então não pude ir à essa banca, mas me deleitei nas outras. rs

Agora, the most problem of all: lê-los.

Ainda não acabei o semestre. Das três disciplinas, faltam duas, mas está no fim. Segunda-feira que vem acaba este semestre que há muito já devia ter acabado.

Pretendo, porém, retomar meus posts. É ruim ficar muito tempo sem escrever, porque depois sinto que quando eu quero escrever, a escrita não sai facilmente. Tem que ser aos trancos e barrancos.

Quem sabe eu não consiga ler os livros que comprei e volto a escrever as resenhas deles aqui....

Que post inútil, raramente escrevo tanta abobrinha... É a falta de prática!

A sentença

Naquela noite, na hora do lobo, o imperador sonhou que havia saído de seu palácio e que, na escuridão, caminhava pelo jardim, debaixo das árvores em flor. Alguma coisa enroscou-se em seus pés e lhe implorou ajuda.

O imperador consentiu; o suplicante disse que era um dragão e que os astros lhe haviam revelado que no dia seguinte, antes do cair da noite, Wei Cheng, ministro do imperador, lhe cortaria a cabeça. No sonho, o imperador jurou protegê-lo.

Ao despertar, o imperador perguntou por Wei Cheng. Disseram-lhe que ele não estava no palácio; o imperador mandou buscá-lo e tratou de mantê-lo ocupado o dia inteiro, para que não matasse o dragão, e ao entardecer propôs que eles dois jogassem xadrez. A partida foi longa, o ministro estava cansado e acabou dormindo.

Um estrondo perturbou toda a terra.

Pouco depois chegaram dois oficiais que traziam uma imensa cabeça de dragão empapada de sangue. Jogaram-na aos pés do imperador e gritaram:

- Caiu do céu!

Wei Cheng, que acabara de despertar, olhou-a perplexo e comentou:

- Que estranho, eu sonhei que estava matando um dragão igualzinho a este.
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Retirado do livro Os melhores contos fantásticos, editora Nova Fronteira, tradução de Flávio Moreira da Costa.

A Lei de Terras e as várias formas de exploração no meio rural

O texto abaixo, salvo algumas consideráveis mudanças para ser um pouco mais compreensível no blog, foi tirado de um trabalho ao qual me dediquei muito semestre passado, em que eu analisei o surgimento do bóia-fria no campo brasileiro. Para entender a gênese desta categoria social comecei estudando, a partir da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, as diversas formas de exploração no meio rural. Segue abaixo esta pequena análise.
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No século XIX, com a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, foi criado em 1850 a Lei de Terras. Até então, a escravidão era predominante e o acesso à terra era restrito aos grandes latifundiários e à elite nacional. Com o fim do trabalho servil, que estava em vias de acontecer, era preciso criar um meio de garantir mão de obra disponível: se a ocupação de terras fosse livre, os ex-escravos e os imigrantes europeus trabalhariam para si próprios e não precisariam vender sua força de trabalho.

A partir de agora, as terras devolutas pertenciam ao Estado e deveriam ser compradas. Tratou-se de um “meio artificial de forçar quem não tem terra a servir quem tem” , se não fosse isso, quem se disponibilizaria a trabalhar nas fazendas de café? O que a Lei de Terras fez foi legitimar a concentração fundiária. Se as terras já eram propriedades de poucos, agora ela era também regularizada. A grilagem também teve seu papel nesse processo: como agora as terras deveriam ser cadastradas, as elites, já donas de terras, falsificavam documentos apropriando para si terras devolutas, aumentando ainda mais – e de graça o que agora tinha que ser comprado! – as suas propriedades.

O colonato foi a relação entre trabalhador e proprietário que surgiu com o fim da escravidão nas fazendas de café, mas como “a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo as relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo” , esse novo regime do trabalho não chegou a ser uma relação de trabalho capitalista, no entanto, se inseria num contexto racional de acumulação de capital. Apesar da “remuneração” no final de todo o serviço, o colono não era propriamente um assalariado.

Nesta primeira forma de exploração no meio rural lhes era cedido espaços na fazenda para a produção de artigos de subsistência. Assim, enquanto o colono pensava trabalhar para ele mesmo num espaço de terra alheio, ele na verdade trabalhava duas vezes para o fazendeiro: primeiro, trabalhando nos cafezais; segundo, garantindo a própria subsistência. Isso causava a redução do custo da cesta básica e, consequentemente, o aumento da mais-valia. Tanto é que na crise de 1929 os mais atingidos foram os fazendeiros e os colonos pouco sentiram, pois não dependiam integralmente do salário por produção para sobreviver.

Para Maria D’Incao e Mello trata-se de um sistema de exploração de regiões onde há escassez de mão de obra. Pagar um salário baixo ao trabalhador e lhe ceder um espaço para a agricultura de subsistência é um meio eficiente e lucrativo ao proprietário de garantir mão de obra não só durante a colheita, mas também todos os anos. Não é a toa que José de Souza Martins nomeia seu livro em que trata sobre o colonato de O Cativeiro da Terra – os colonos se tornam cativos do proprietário e da terra sem ser, propriamente, escravos.

O colonato, no final das contas, foi a fórmula que os fazendeiros encontraram de substituir o trabalho escravo, pois no campo das relações sociais, eram tratados como cativos. No entanto, estavam inseridos num contexto ideológico de que, se trabalhassem em terra alheia e conseguissem economizar, poderiam comprar a própria terra e serem trabalhadores independentes.

A partir de 1930, com a decadência do café e o início das pastagens e da produção do algodão e do amendoim, o colonato se tornou inconveniente, pois não era mais preciso trabalhadores durante o ano todo em serviços mais lentos. A nova modalidade de agricultura dispensava mão de obra o ano todo e quando esta era requisitada, era preciso que o trabalho fosse rápido. Assim, o sistema de colonato foi substituído pelos de parceria e arrendamento.

A parceria refere-se “à concessão, por parte do proprietário, de uma faixa de sua terra para ser explorada por um período de tempo determinado, em troca de uma porcentagem de produção” . Essa porcentagem varia de acordo com os benefícios oferecidos pelo proprietário. Já os arrendatários são “indivíduos que usam temporariamente uma parcela de terra por um preço previamente estabelecido, em dinheiro ou mercadoria”.

Mas existem outros modelos de exploração, como os moradores. Estes são parecidos com os colonos, mas moram nos canaviais; são pagos em dinheiro e também possuem um pedaço de terra para a agricultura de subsistência, mas ao contrário dos colonos que se aglomeram em colônias, este é disperso pela propriedade. Ainda nas lavouras canavieiras encontramos os foreiros, que pagam aluguel (foro) ao proprietário e, na época da safra, ainda são obrigados a prestar serviços gratuitamente. Na lavoura algodoeira é mais comum o meeiro. Aqui os trabalhadores obtêm parte do rendimento – a meação - e, quando cultivam gêneros de subsistência, pagam a meação ao proprietário. Na pecuária, por sua vez, é comum o “vaqueiro”, no qual o indivíduo responsável pelo gado recebe para si um bezerro a cada quatro nascidos. O bóia-fria é só mais uma forma de exploração. Aqui ele é um trabalhador temporário, e sua relação com o proprietário é puramente salarial.

Caio Prado Jr. chama a atenção para o fato de que em qualquer que seja o tipo de relação entre trabalhador e proprietário, em nenhum momento este “transfere ao trabalhador nada que se assemelhe com a posse de terra” . Essa forma híbrida de remuneração, que acontece de acordo com a conveniência do empregador, só é possível graças a enorme disponibilidade de mão de obra, e a principal razão disto é a concentração fundiária.

Essa realidade diversa exige um cuidado maior da parte jurídica quando vai tratar dos direitos dos trabalhadores rurais. Por se tratar de uma realidade instável que varia de região para região e às vezes num mesmo lugar de acordo com o que convém ao proprietário, são muitas as brechas que permitem a descaracterização da lei e o não cumprimento desta.

Retornando

Eu não esqueci o blog e nem o abandonei. Fui obrigada a deixá-lo um pouco de lado por causa da falta de tempo. Em uma das últimas aulas que tive, o professor de História Medieval estava falando sobre a matematização do tempo. Há duas concepções do tempo: uma simbólica, clerical, salvacionista, marcada por um início, um meio e um fim previsto(a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, o advento de Cristo e o fim, marcado pelo Apocalipse) e a quantitativa, que marca nossa visão de tempo ocidental.

Não era preciso marcar o tempo por minutos, horas, ou até mesmo dias. A contagem do tempo se dava pelas estações, pelo nascer e pôr do sol. Pelas estações, sabia-se quando era preciso plantar e colher; pelo sol sabia-se quando era a hora de se alimentar, dormir e acordar. O controle maior do tempo era controlado pela Igreja e, portanto, era ela quem dizia quando era as datas comemorativas ou os dias de descanso.

A movimentação monetária na Idade Média, após um tempo adormecida, além de facilitar as trocas, permitia uma circulação maior de bens e pessoas. Isso incentivou uma contagem mais precisa do tempo. Atualmente, na minha opinião, chegamos ao ponto máximo de contagem do tempo. Não é possível contar mais do que já contamos. Podemos perder o ônibus por 1 minuto. Podemos fazer uma viagem em 1 hora se saírmos de casa as 6h00 ou fazermos a mesma viagem em 2 horas se saírmos de casa as 6h15 - porque pegaremos trânsito (não vou entrar hoje na problemática do trânsito que São Paulo sofre vergonhosamente). Essas coisas eu sei, infelizmente, por experiência própria.

E nas competições? O vencedor é definido por questões de centésimos, milésimos de segundo. É uma contagem impossível para qualquer ser humano, que só pode ser feita através de equipamentos eletrônicos. A matematização do tempo é tanto, que é impossível contá-lo a "olhos nus".

Já foi-se o tempo em que o tempo era domínio da elite intelectual e era feita através dos astros. Com certeza era uma época mais saudável. Nós agora vivemos em função dos minutos que o ônibus sai, a espera de feriados, a contagem de dias que sai o pagamento, a horas que dedicamos ao trabalho, às leituras, ao lazer. É tudo contado, cronometrado. Fazemos planos para o ano a vir, para o dia seguinte. Não conseguimos pensar no presente, muito menos no futuro, sem contar o tempo. Não pensamos em nada a longo prazo. Prazo. Tudo é medido por prazos. 48 meses pagando o carro, 10 anos pagando uma casa própria, 60 dias de determinado software grátis, remédio a cada 6 horas, acordar as 6h, sair as 6h40, pegar o ônibus as 7h, chegar as 9h, comer a cada 3 horas...

A contagem do tempo tornou-se tão importante quanto a visão, a audição, a fala... É quase parte dos nossos sentidos. É tentador acreditar que quando contávamos menos o tempo, vivíamos mais.

Mas enfim, depois desse pequeno desabafo, acho que ficou claro porque abandonei o blog momentaneamente. Acho que a falta de tempo é tanta, que estou sem tempo até para pensar! Nem ideias tenho mais para o blog.

Comecei a estagiar no Arquivo do IEB e por isso estou sem tempo nenhum. Não é ele que consome a maior parte dos meus dias, mas sim o trânsito. Demoro mais para ir e voltar do que o tempo que dedico ao estágio. É incrível como São Paulo é uma merda em relação a locomoção de pessoas. Uma cidade tão grande e tão parada. A Berrini é uma avenida tão chique, com prédios luxuosos, carros importados, executivos de terno e gravata... Tudo isso para ser admirado, por que em horário de pico, fica-se 2 horas para atravessar uma avenida que, sem trânsito, seria atravessada em 20 minutos. Estou perdendo de 5 a 6 horas por dia (e em dias bons!!) para ir e voltar, sendo que o estágio é de 4 horas.

Mas para mudar de assunto e falar de alguma coisa boa, vou apresentar o IEB para os que não o conhecem. O Instituto de Estudos Brasileiros foi criado pelo Sérgio Buarque de Holanda a fim de reunir uma série de estudos interdisciplinares sobre o Brasil. Nele encontra-se o Arquivo do Instituto. Trata-se de um arquivo de fundos pessoais e nele estão guardados documentos de personagens importantes da intelectualidade brasileira, como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Mario de Andrade, Caio Prado Jr., entre outros.

Eu estou lá catalogando os diários políticos do Caio Prado, para depois o público pesquisador ter acesso à eles. Está sendo um trabalho muito legal, mas, confesso, por causa disso estou muito a par das eleições de 1946, do golpe de Getúlio Vargas e de todo o movimento político dos anos 30 e 40, do que as eleições atuais que estão prestes a acontecer.

Apesar do meu problema atual de tempo - ficar mais tempo no trânsito do que em casa dormindo-, o estágio está valendo muito a pena. Está sendo uma experiência maravilhosa.

Para os que se interessarem em saber mais sobre o acervo do arquivo do IEB, está aqui o site.

Infância - Graciliano Ramos

No colégio, quando a professora de literatura fez uma breve definição das obras de Graciliano Ramos, ela disse que "em uma página, temos informações demais", pois ele era um autor que sabia ser bastante conciso, direto e dizer muito com poucas palavas. Isso me impressionou, e a partir disso sabia que eu e ele nos daríamos muito bem. Minha primeiraexperiência foi com Vidas Secas, amei, me apaixonei, me encantei. Depois, fui ler Memórias de um Cárcere, mas por causa da burocracia da biblioteca, só consegui ler 80 páginas e pretendo retomar a leitura. Mas a última obra que li de Graciliano foi Infância.

Foi uma experiência bacana e um pouco diferente das leituras comuns. Aquela idealização infantil, de que quando a gente era criança era bem melhor, isso não existe no livro de Graciliano. Por mais que seja um livro bastante recheado, é difícil dizer algo sobre ele. A leitura é calma, fluída, mas há momentos em que somos tomados por uma agonia imensa, como quando seu pai não encontra a fivela do seu cinto.

O autor também fala sobre a sua dificuldade em aprender a ler e como nasceu o seu amor pelos livros. Aos 9/10 anos, já tinha devorado a biblioteca de um de seus conhecidos, lendo grandes clássicos da literatura internacional.

Mas a melhor parte é o final. É claro que não contarei spoiler, mas durante a leitura do livro, nos perguntamos quando e como vai acabar essa fase infantil do autor, e quando isso acontece, sua visão e percepção de mundo muda também.

É um livro gostoso, não há emoção, suspense ou trama. Cada capítulo conta sobre uma determinada pessoa ou um momento que lhe marcou. É possível também entender um pouco das relações sociais citadinas do nordeste brasileiro. A profissão de seu pai, um mercador, os obriga a mudar e a diferença entre campo/cidade também é bastante visível.

A conclusão que cheguei ao virar a última página foi a de que uma infância nem sempre é feliz como é relatado no poema de Casimiro de Abreu

"Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!",

mas sim doída, traumatizante, e que, na verdade, só esconde um mundo cruel, que por sebrevivência só podemos compreendê-lo depois; para que na idade adulta, lembremos de um momento melhor, mesmo que ele nunca tenha sido bom.

Breve histórico do trabalho no Brasil

Final de férias, tenho que voltar ao ritmo de antes. Para retomar esse ritmo "culto", publicarei hoje a última prova que realizei no semestre passado. O curso, que abordava sobre a história do trabalho no Brasil, pedia para a gente fazer um resumo do que vimos no curso inteiro, pendendo para o lado que tivéssemos dominado mais ao longo do semestre. Como já explicitei antes, o trabalho sobre os trabalhadores bóias-frias, me ajudou a pender para o lado do trabalho no campo e por isso o texto tem um cunho de denúncia sobre a distribuição de terras no Brasil. Sei que fui muito bem na prova, então não é qualquer coisa que estão lendo. No entanto, trata-se de um breve resumo, sem nada muito profundo.
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O trabalho no Brasil sofreu significativas mudanças, ao lado das transformações políticas, econômicas e sociais que o país sofreu ao longo de sua história. Foram três as fases que foram marcadas por características específicas das relações de trabalho: a escravidão no período colonial, a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e, finalmente, a nacionalização da força de trabalho na industrialização. Em nenhum momento, porém, uma fase negou completamente a outra; certas características das relações de trabalho na colônia se transformaram em feridas cujas cicatrizes são possíveis de serem vistas até hoje, principalmente no campo.

Caio Prado Jr., quando trata sobre o Brasil Colônia, vai dizer que a colonização aconteceu em torno de um sentido que, simplificadamente, era o de gerar riquezas e excedentes à metrópole. Neste contexto, o trabalho e o tráfico de escravos agiam como fatores determinantes para esse sentido ser possível. O trabalho escravo se tornou então, predominante no Brasil Colônia. O escravo negro foi uma conseqüência da lucratividade do tráfico e, por causa disso, a proteção jesuítica dos índios e a demanda pelo trabalho escravo indígena oscilava entre a oferta e a falta de mão de obra vinda da África.

O fato de o trabalho ser exercido quase que exclusivamente por negros, fazia o trabalho ser visto como algo degradante e, por isso, não havia gente que se disponibilizasse a trabalhar. Sérgio Buarque vai dizer ainda que o português que aqui chegava, vinha com o “espírito de aventura” e a busca de riqueza fácil e ascensão social, ou seja, “o que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas a riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho.”

Ainda neste contexto, vemos uma categoria social que se encontrava à margem e nada contribuía para o sentido da colonização: os desclassificados sociais. São aqueles homens livres que não trabalhavam porque o trabalho era degradante e também não eram donos de terras e, por isso, eram vadios que viviam a sombra de algum coronel, reafirmando o patriarcalismo da sociedade colonial.

No século XIX, o sistema escravista começa a entrar em crise por causa de uma série de fatores externos, entre eles a pressão vinda por parte da Inglaterra para o fim da escravidão e o fim do tráfico negreiro. Isso levou à falta de oferta de escravos e, consequentemente, o aumento do preço. O escravo estava muito caro e a lavoura cafeeira estava sendo obrigada a comprar escravos do Nordeste que, em decadência e sem um carro chefe para a economia regional, estava cada vez mais empobrecida em relação ao Vale do Paraíba e ao Oeste Paulista. Assim, contraditoriamente, a região mais pobre do país estava fazendo uso do trabalho livre por falta de escravos e, por causa disso, , sugerindo que acontecesse a Abolição; enquanto que a região mais pobre, estava fazendo uso de todos os meios para conversar o trabalho escravo.

No entanto, isso não possível. Com a Lei de Terras e a vinda dos imigrantes, a elite cafeeira conseguiu manter mão de obra disponível através de um sistema que não era nem servil e nem assalariado. O colonato, que foi a forma encontrada pelos cafeeiros de garantir mão de obra, era uma relação não capitalista em que o colono trabalhava nos cafezais e numa cultura de subsistência numa pequena parte da propriedade que lhe era cedida. O “salário” ao final da produção, portanto, não era o essencial e nem o fundamental para o colono.

Nesta fase a transição o que ocorreu foi a adaptação do trabalho livre ao regime servil. Por mais que houvesse uma remuneração simbólica ao final da produção, o colono era cativo da terra em que trabalhava, era visto como inferior em posição semelhante ao do negro escravo.

Enfim, a partir de 1930, com a industrialização, o Brasil passou a fazer uso da mão de obra nacional e categorias assalariadas como médicos, engenheiro e arquitetos passou a existir. No entanto, as cicatrizes ficaram. Ao trabalhador urbano foi feito a CLT e, através dos sindicatos estes trabalhadores sempre tiveram meios de reivindicar seus direitos. Por outro lado, a industrialização do Brasil aconteceu sem a companhia da reforma agrária. Assim, a partir de 1950, essa mão de obra expropriada do campo começou a enfrentar dificuldades para ser absorvida e isso tem gerado miséria tanto no campo quanto nas cidades.

O patriarcalismo, a elite fundiária atuando no cenário político, trabalhadores se submetendo à trabalhos análogos ao da escravidão, a existência de grandes latifúndios, o difícil acesso à terra, são ainda fatores que permeiam a realidade brasileira no século XXI.

Dois livros e um filme

Até terça-feira estava fazendo muito, mas muito frio aqui em São Paulo capital e região metropolitana. Então não havia muito o que fazer se não ficar embaixo das cobertas lendo. O problema é que o frio estava tanto que as mãos que ficavam fora do cobertor segurando o livro ficavam frias. Mas tudo bem, ainda bem que o tempo esquentou um pouco. Mas nesse interím, li dois livros e vi um filme que merecem um destaque nesse humilde blog de poucos leitores.

O primeiro dos livros foi A Metamorfose de Franz Kafka. Era um livro e um autor totalmente desconhecidos por mim, mas a leitura, rápida e intensa, fez eu me interessar por outras obras deste autor. Em A Metamorfose, o protagonista acorda na forma de um inseto. Porém, sua mudança foi apenas física, pois mentalmente ele continua com as mesmas preocupações em relação ao trabalho e sua família e totalmente consciente de sua condição, que apesar de dificultar seus movimentos, não se limita em continuar na cama. Tenta se levantar, se trocar e ter um dia normal. A mudança significativa, porém, vem da parte de sua família que, em sua nova forma, não o vêem mais como filho e irmão. A família o vê, simplesmente, como um animal asqueroso. Impossibilitado de se comunicar, o protagonista é mantido todo o tempo em seu quarto, longe dos olhos de todos e, progressivamente, esquecido e deixado de lado.

Não se trata de uma história complexa, com vários personagens, eventos, drama e mistério. Mas é uma narrativa que ao final ficamos perplexo, pensativos, como se tivéssemos sido golpeados no estômago. Se no começo, nós, leitores, assim como a família, sentimos nojo da sua aparência asquerosa e de suas patinhas que se mexiam compulsoriamente; do meio para o final, o que sentimos é pena. Dó. Muita dó.

O segundo livro foi Memórias Póstumas de Brás Cubas do Machado de Assis. Era um livro que há muito tempo eu carregava o compromisso de ler. Depois de Dom Casmurro, Machado de Assis me encantou e meu namorado fazia uma super propaganda de Memórias Póstumas dizendo que era tão bom que achou melhor que Dom Casmurro. Enfim, não me decepcionei. MA-RA-VI-LHO-SO.

Tudo o que eu tinha ouvido falar antes sobre Memórias foi sobre o romance entre Brás Cubas e Marcela, então achava que todo o livro se resumia a isso. Mas não, o que Brás Cubas vive com Virgília é muitíssimo mais intenso. Além do mais, na primeira vez que fui ler o livro, as inúmeras referências a obras clássicas e suas metáforas, me desanimaram a continuar a leitura. No entanto, desta vez li tudo; compreendi muito bem a história, mas o livro inteiro não. Diria que uns 80% compreendi bem. As interrupções na narrativa também são muito bacanas, originais que não se encontram em nenhum outro lugar. Ás vezes, é verdade, parece que Machado está gozando da nossa cara, mas tudo bem, a leitura não se torna menos divertida por causa disso, pelo contrário, faz a gente se interessar ainda mais.

Já o filme eu assisti com meu namorado depois de ele ter insistido muito e até ameaçado a vê-lo sozinho. O filme é muitíssimo bom. Scarface foi feito nos anos 80 tendo Al Pacino como protagonista. Só um detalhe: depois de ter assistido O Poderoso Chefão II, Al Pacino se tornou um dos meus atores favoritos.O cenário é muito bacana! As roupas, as discotecas, tudo faz lembrar GTA Vice City. O que não é a toa, já que o jogo foi inspirado no filme; as semelhanças são tantas que chega até aos nomes dos personagens. Logo no começo Tony Montana, um "refugiado político" cubano em Miami sem visto, é cativante quando diz que mata um comunista por diversão e por um greencard o faz em pedaços. Depois disso, gradativamente, Tony Montana vai se envolvendo com o tráfico de drogas e tendo contatos com os poderosos do narcotráfico. Seu passado, mesmo em Cuba, já era de criminoso, mas ele usa, inapropriadamente, o termo "refugiado político". É um filme bom, ele também denuncia os políticos e policiais corruptos que se envolvem com o narcotráfico à base de propinas. Recomendo à todos - que não sejam comunistas e não sintam amizade por Fidel.

"Say hello to my little friend!"

Alguns livros que marcaram

Os Blogs de Quinta me propuseram escolher de 3 a 7 livros que marcaram minha vida, listá-los e escrever um pequeno parágrafo sobre eles. Mas confesso: foi difícil, muito difícil, escolher apenas sete livros - mas tive que colocar mais um no final por consideração. É verdade que eu não li tantos livros assim em minha vida, mas já tenho uma continha razoável de obras que recomendo. Quando comecei a fazer uma pequena listinha dos livros que eu poderia comentar aqui, completei seis, mas ao ir na minha estante de livros: momento nostalgia ao lembrar de livros maravilhosos que eu li há 5, 6 anos atrás, que também foram maravilhosos, mas que o tempo me fez esquecê-los. Comentarei sobre 8 livros, mas foram 8 livros que eu me lembro com muito, mas muito carinho mesmo. Houve muitas outras obras cujas leituras foram também agradáveis e gostosas, mas que não marcaram tanto assim, no entanto merecem ser lembradas: O Xangô de Baker Street, O homem que matou Getúlio Vargas - ambos do Jô Soares -, Memórias de uma Gueixa, Gomorra, Morte e Vida Severina, Meu pé de laranja lima, Sagarana, O jogo do Anjo, O falecido Mattia Pascal, A metamorfose, A Revolução dos Bichos, O Pequeno Príncipe, O diário de Anne Frank, O Cortiço, Noite na Taverna, entre outros.

As Brumas de Avalon - Marion Zimmer Bradley
Sem dúvidas, esta foi a história que mais me marcou. Quando alguém me pergunta qual livro eu recomendo ou qual eu mais gostei, este é o primeiro que me vem a mente. Composto por 4 volumes, é impossível ler o primeiro e não querer ler o outro e devorar todos. A saga de Viviane, Morgana, Arthur, Lancelot e outros, nos faz refletir sobre política, história, guerras e religião. Dentro de todos os livros que li, foi neste que a figura feminina aparece forte e fundamental para a história, e faz qualquer leitora se sentir orgulhosa por ser mulher. Quanto à religião, a imagem que a autora faz da figura divina deveria ser uma orientação para todos os fanáticos religiosos. Antes de qualquer coisa, Marion Zimmer Bradley tenta nos ensinar a respeitar a diversidade religiosa.

O caso dos 10 negrinhos - Agatha Christie
Este eu li aos meus 12 anos. Li outros livros da Agatha Christie também, mas nenhum é tão bom quanto este. Ele é pequeníssimo, é possível lê-lo em dois dias, mas a sua história é encantadora. Não vou contar nem um pouco da história do livro, pois isso seria estragar um pouco da surpresa que a leitura nos traz, no entanto, posso dizer que durante a leitura, Agatha parece desafiar nossa inteligência.

Pollyanna e Pollyanna Moça - Eleanor H. Porter
Este eu também li aos meus 12, 13 anos. Eu estava de férias, afundada no sofá em frente à TV quando minha vó me trouxe estes dois livros, um continuação do outro, velhos, com aquele cheiro horrível e as páginas amareladas. Comecei a ler meio que obrigada, mas depois foi por pura diversão. Pollyanna é uma criança que, após perder seus pais e irmãos, é obrigada a mudar de cidade e ir morar com uma tia sua que não gosta de crianças e a despreza totalmente. No entanto, antes de morrer, seu pai que era pastor de uma igreja, lhe ensinara a sempre ver o lado positivo de tudo. Não importa o que acontecesse, tudo tem seu lado positivo e Pollyanna teria que ver esse lado e valorizá-lo mais que os infortúnios. Sim, isso irrita e muito. Até hoje eu tenho um pouco de raiva da Pollyanna por causa disso. Mas, era por essa razão, que Pollyanna era uma menina muito alegre, obediente e amiga de todo o bairro. Até o coração da sua tia, antes duro como pedra, ela consegue amolecer um pouco. É uma história infantil, mas me marcou de algum modo, porque lembro com muitas saudades do livro.

Crime e Castigo - Fiódor Dostoiéviski
Sobre este livro comentei aqui mesmo no blog quando o li, que foi recentemente. Apesar de não haver muita ação, é impossível não se envolver nos pensamentos do protagonista Ródia e temer por ele.

Vidas Secas - Graciliano Ramos
Vidas Secas é um dos livros da literatura brasileira de que eu mais gosto. Foi um livro que li e reli, só para rever toda a análise das apostilas de cursinho para vestibular. Nas duas vezes, chorei com o fim de Baleia e com o sofrimento daquela família de retirantes, que não é tão fantasiosa assim. Foi Vidas Secas que fez me interessar pela vida no campo brasileiro e hoje estudo este tema.

Dom Casmurro - Machado de Assis
Este foi outro livro que li duas vezes. Mas foi na segunda leitura que percebi o quanto um livro, um conjunto de palavras é capaz de ser tão mágico, de nos levar a um mundo tão surreal, nos deixar tão em dúvida e tão maravilhados ao mesmo tempo. Para mim Machado de Assis não foi só um escritor, foi um mágico, que através das palavras brinca com a nossa curiosidade, bom senso e inteligência também, por que não? Como é possível criar este mistério de "traía ou não traía", instigar milhares de leitores, especialistas, e nenhum chegar a uma conclusão? Para mim isso é mágico.

A Sombra do Vento - Carlos Ruiz Zafón
Este foi outro livro que li recentemente e que também comentei aqui no blog. Aqui sim há muita ação e o mistério é tão eletrizante quanto os mistérios que li há 7 anos no clássico O caso dos 10 negrinhos.

Harry Potter - J. K. Rowling
Fui obrigada a colocar Harry Potter nesta lista. A literatura não pode ser das melhores, pode ser um livro horrível - segundo alguns, mas dos meus 11 aos meus 12 anos, foi Harry Potter que me mostrou o quanto é possível se divertir, rir e chorar nas páginas de um livro. Li os 4 primeiros de uma vez só, em menos de 15 dias, e eu nunca havia lido nada antes. Após isso, esperei com ansiedade o 5°, li, mas me decepcionei com a história. Depois disso, a demora dos lançamentos, o crescente amadurecimento das minhas leituras, fizeram os 6° e o 7° livros serem chatos e maçantes. No entanto, devo muito consideração aos livros do Harry Potter, foram por causa deles que hoje eu gosto tanto de ler.

O Falecido Mattia Pascal

Como de costume, vou escrever um pouco sobre a história e minha impressão do último livro que li. Este foi mais um dos livros, assim como Crime e Castigo, que na falta do que fazer e assistir na TV, foi escolhido aleatoriamente para me distrair um pouco. Assim como a obra de Dostoiéviski, a obra de Pirandello me prendeu do início a fim. E só depois de ter lido e me fascinado, fui pesquisar a vida do autor e descobri a sua importância na literatura mundial, sendo, inclusive, um ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1934.

Engraçadíssima, a história se passa, salvo às viagens pela Europa do nosso querido protagonista Mattia Pascal, na Itália. Parte na cidade de Miragno e parte na conhecida cidade de Roma. Mattia Pascal é um homem inteligente, porém gostava da boa vida e, quando todo o dinheiro que herdara do seu pai foi roubado pelo administrador de seus bens, ele se viu como um homem pobre, sem ofício e sem perspectivas.

Uma das partes mais interessantes do livro é na qual Mattia faz das tripas coração para se casar com quem queria. Neste acontecimento, temos cinco personagens: Mattia; Romilda, a mulher com quem Mattia queria se casar; a viúva Pescatore, futura sogra de Mattia e mãe de Romilda; Malagna, o ladrão e administrador dos bens da família de Mattia e, finalmente, Oliva, amiga de infância de Mattia e esposa de Malagna. Malagna era estéril, porém seu maior sonho era ter um filho. Oliva era sua segunda esposa, e assim como a primeira, não conseguia engravidar. Assim, Romilda que já tinha um caso com Mattia engravidou e, convencida pela sua mãe, foi pedir ajuda para Malagna, que era rico, diga-se por passagem, para assumir a paternidade de seu filho. Convencido, Malagna disse para sua mulher, Oliva, que a culpa era dela pelo fato de não engravidar e que ele não era estéril, por isso, Romilda estava grávida dele e seria com ela com quem ele iria ficar. Então Mattia, inteligente como é, engravidou rapidamente Oliva, que voltou para Malagna dizendo que já estava grávida quando foi expulsa e exigia que assumisse a paternidade do seu filho agora, supostamente, verdadeiro. Resumo da história: com a sua mulher grávida, Malagna voltou para Oliva e Romilda, grávida e sem marido, casou-se com o verdadeiro pai de seu filho, Mattia.

Isso é narrado logo no começo da história, e as coisas mudam radicalmente. Mattia, como ele mesmo diz na primeira página, é um homem que morrera duas vezes. Assim, rodeado por infortúnios, sua sogra insuportável, sua mulher infeliz, pobre, ele decide fugir por uns tempos e, sem querer, acaba ficando rico na jogatina. As mortes sofridas por Mattia estão longe de serem físicas. Depois de ter enriquecido na jogatina, decide voltar para casa e jogar na cara de sua mulher e sogra todo o dinheiro que ganhara. Porém, no trem, pega um jornal para ler as notícias durante a viagem, mas acaba lendo o informe de que seu corpo fora encontrado depois de ter cometido suicídio.

Mattia então, se vê na oportunidade de não precisar mais voltar para sua mísera vida em Miragno, cheio de novas chances e, rico, ele decide assumir uma nova identidade e viver uma nova vida. A partir daí, o livro fica mais denso. A solidão do protagonista, a impossibilidade de se fixar em algum lugar ou de ter uma amizade sincera, leva-o a questionar se sua morte realmente valera a pena.

É um livro muito gostoso de ler, recomendadíssimo à quem gosta de dar risadas lendo e para quem gosta de se questionar sobre o que é identidade. Quanto Mattia morreu e assumiu uma nova identidade – um novo nome, uma nova história, seus problemas não foram resolvidos, apenas a eles se acrescentaram outros, de natureza ainda maior.

O papel da arqueologia nos debates sobre a etnogênese

Hoje eu tive prova de História Medieval. Tudo bem se não fosse pelo fato da pergunta ter sido cretina. Para respondê-la não foi preciso nenhuma bibliografia do curso inteiro, nem ter presenciado todas as aulas, ou ao menos ter estudado as provas do ano passado ou a que a turma da noite fez ontem. A pergunta foi baseada numa única aula e não era possível mobilizar nenhum texto do curso inteiro. Eu me decepcionei. Estudei para uma prova milhares de vezes mais difícil. Consultei e fichei umas 500 páginas ao longo do semestre. Saberia dominar qualquer pergunta sobre o papel da arqueologia nos estudos acerca da Idade Média, no caráter identitário e os problema causados por isso acerca da Alta Idade Média, na história econômica sobre o Grande Domínio, sobre a mutação feudal... Enfim, tudo isso. Mas caiu o problema das heresias do ano 1000. Uma questão discutida em apenas uma aula sem ajuda bibliográfica. Tudo bem, valeu meu esforço... Acho que aprendi algumas coisas sobre Alta Idade Média.

Para valer pelo menos alguma coisa todo o trabalho que tive, vou publicar hoje a resposta de uma das perguntas da prova do ano passado que desenvolvi como forma de estudo. A questão pedia para discursar sobre o papel da Arqueologia nos debates acerca da etnogênese. Mais uma vez, como na outra prova sobre a Mesopotâmia que coloquei aqui, o leitor poderá entender muito bem sobre o tema, só ficará um pouco "de fora" quando eu comentar os nomes dos autores da bibliografia utilizada.
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A Alta Idade Média é uma conotação ambígua, ela serve tanto para definir uma marcação cronológica que vai do século V ao século X, quanto uma construção historiográfica usada como base do discurso identitário da Europa. Assim, o estudo acerca da Alta Idade Média se constitui num importante fator para a formação ideológica das origens das nações européias e da constituição cultural e identitária de seus respectivos povos. O fim do Baixo Império Romano, as invasões bárbaras e as transformações políticas, econômicas e culturais oriundas deste processo são vistos, sob perspectivas diversas, como a gênese dos Estados-nações europeus.

Neste contexto, surgiu o problema das identidades. Patrick Geary, em “O mito das Nações”, aponta como o nacionalismo contribuiu para os historiadores enxergarem a diferença entre romanos e bárbaros como uma oposição entre “nós e eles”, entre “civilizados e bárbaros”, contribuindo para que estes últimos fossem vistos como um bloco homogêneo, ignorando toda uma diversidade destes povos. Em “Some remarks on ethinicity in Medieval arqueology”, Florin Curta também denuncia esse caráter simplista de definição quando diz que o antropólogo Barth e seus seguidores tinham uma perspectiva de comportamento social e individual baseado na visão “eu versus eles” e que a historiografia foi marcada pelo anacronismo, pois usavam o termo étnico como uma construção moderna e não como uma categoria medieval.

O trabalho de F. Curta contribui bastante para entender o papel da arqueologia neste debate acerca da etnogênese, pois ele faz um apanhado sobre o que já foi discutido sobre o tema e sobre os problemas metodológicos possíveis sobre isso. Como ele mesmo fala, pelo fato de as fontes arqueológicas serem artefatos, eles não foram feitos para carregarem uma certa representação do passado, mas para responder questões econômicas e sociais. Assim, nós encontramos uma série de problemas que a arqueologia não consegue satisfazer sozinha, sem o complemento historiográfico que faz uso da linguagem e da escrita. Como por exemplo, o caso dos Gépidas e Lombardos, dois grupos que mantinham relações de trocas e não se distinguiam uns dos outros através da cultura material – para eles nenhum objeto possuía valor étnico. As coisas mudaram quando as guerras contribuíram para consolidar estilos específicos de vestimenta entre eles. No entanto, distintivos característicos, como acessórios e vestimentas, não distinguem somente uma etnia da outra, elas podem indicar outras formas de identidade social, como gênero, idade ou classe.

Há outros exemplos na arqueologia funerária. Alguns objetos encontrados com os cadáveres que remetem a determinados grupos étnicos, como os francos ou os romanos, não significam que os indivíduos tenham realmente pertencido essa origem. Pode se tratar de um distintivo, por exemplo, em moda na época. É aquela história de que uma camisa vermelha com o desenho de uma foice e um martelo, não faz do homem que a veste um comunista.

Sob esse contexto, o arqueólogo Brather recomenda que os arqueólogos abandonem qualquer pesquisa sobre a etnogênese, porque não há fontes escritas que decifrem os significados dos símbolos que marcam o limite uma determinada etnia. Além disso, este estudo corre o risco de ser contaminado por preocupações étnicas atuais. O mito de que há congruência entre os povos da Alta Idade Média e os contemporâneos, levaram o estudo da cultura material aos padrões sugeridos pelas línguas, mas isso não deu certo, e agora é P. Geary quem diz que “artefatos não são um parâmetro seguro para a distinção das etnias”. Com ele, também concorda E. Pöhl, que diz que as culturas arqueológicas e os grupos étnicos coincidem muito pouco e que “não se pode confundir fronteiras políticas, territórios étnicos, grupos lingüísticos e áreas de uma certa cultura material, pois não necessariamente teriam a mesma extensão.”

Apesar de todos esses problemas metodológicos, F. Curta ilumina o papel da arqueologia no estudo sobre etnogênese: a cultura material assume um papel similar ao de um “texto que deve ser lido”, pois é necessário analisar e compreender contextos maiores em que é produzida para ser possível entender os significados destes objetos.

O que parece ser ponto comum entre os autores sugeridos pelo curso, é a ineficiência da arqueologia, sozinha, responder as questões sobre a etnogênese, e que este é um assunto bastante “contaminado” pelo nacionalismo contemporâneo. Parece ser possível estudar as etnias entre os séculos V e X, através da interdisciplinaridade entre história e arqueologia, sem cometer erros anacrônicos e sem a confiança de que os limites entre os territórios étnicos, as fronteiras políticas e os grupos lingüísticos coincidem geograficamente, como alerta Pöhl.

A figura do rei (divino) na Mesopotâmia

Este post, ao contrário dos outros que tem um teor bastante pedagógico e que eu escrevo para todo mundo, será mais particular. Esta semana fiz uma prova do curso de História Antiga cujo assunto é a Mesopotâmia. O professor esperava que no teste fizéssemos a articulação entre três elementos: as aulas expositivas, sete textos historiográficos que ele tinha separado e a documentação que trabalhávamos toda segunda parte da aula. Como eu já sabia disso, passei duas semanas me preparando e por isso meu sábado e meu dia das mães foi ler e reler meus textos e minhas anotações.

Mas, o que está me levando a transcrever meu rascunho de prova no meu blog é que foi o primeiro curso no 3° semestre de faculdade que eu vi uma evolução no meu modo de estudar e de articular o material que tinha em mãos. E isso, é claro, é "exportável" para outras matérias, já que em geral é esse o método que os professores esperam nas provas. Por isso, que o post de hoje terá este caráter mais particular que os outros, estou escrevendo mais para mim isso. Não que o leitor não vá entender o texto, mas as referências aos outros textos e aos documentos será confuso. Semana que vem, caso eu receba já o resultado da prova e minha nota seja apresentável, coloco aqui para dividir com todos.

Sobre a questão: a pergunta não era propriamente uma pergunta. Foram colocados na folha de questão três trechos historiográficos sobre determinado assunto e tínhamos que escolher e dissertar sobre um. O trecho que escolhi falava explicitamente da imagem que o rei mesopotâmico fazia de si mesmo e o que ele representava diante de seu povo.
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Os três primeiros quartos do III° milênio foi caracterizado pelo predomínio do modelo governamental da sociedade-templo, no qual o templo aparece como domínio das relações sociais e o centro de organização e distribuição de recursos. Na metade do III° milênio, porém, a etnia suméria vai perdendo espaço para os semitas e o modelo de sociedade-templo vai cedendo lugar a um novo modelo governamental: a cidade-reino, cuja transição já havia se consolidade por volta do ano de 2.300 a.C..

Neste novo modelo, o palácio assume o papel de eixo central das articulações de poder e deixa para o templo o caráter de centro religioso, como aponta Gwendolyn Leick quando identifica duas instituições que dominaram a Babilônia - o palácio e o templo. Porém, esse novo centro de poder fagocita discursos do poder anterior - o templário, e disso ocorre a divinização do poder real como meio de legitimação. Algo, no entanto, merece atenção. "Na Mesopotâmia, ao contrário do Egito, uns reis eram considerados deus e outros não", como aponta Philip Jones. Apesar de ter havido reis que tiveram seus nomes inscritos com a palavra deus, a personificação divina da realeza não finca raízes. O que há e o que pode explicar a história política na Mesopotâmia é a divinização da soberania.

Philip Jones nos explica muito bem qual era o papel real e como este se apresentava e se legitimava. Esta legitimação, como já foi indicado antes, se dava através de uma aproximação da realeza ao mundo divino em forma de descendência divina, favores divinos, casamento com uma deusa ou estrutura sobre-humana.

Este terceiro elemento se mostrava através do casamento sagrado associado a um ritual de fertilização, no qual o rei, substituindo a figura do deus Dumuzi, se une à deusa Inanna - a deusa do amor sexual. Assim, esse rei divino tinha que contribuir com a ordem cóscima, canalizando o potencial destrutivo da deusa Inanna para fins mais construtivos.

Ainda no texto de Philip Jones, ele enumera alguns aspectos que a figura do rei evocava, sendo elas: 1) evocar a ordem cósmica; 2) prevenir a provocação da ira divina; 3) garantir que as ações humanas não desagradariam os deuses e 4) garantir a existência de templos. Essas características completam as de Marc Van de Mieroop quando diz que, além de evitar a ira divina, o rei da Mesopotâmia tinha que garantir alimento e proteção contra os inimigos, garantir a fertilidade da terra construindo e mantendo canais de irrigação e prover justiça. Fica claro aqui para nós, a forte ligação que o rei mantinha com o mundo divino, ao tentar agradá-lo para evitar catástrofes causadas pela ira divina.

A figura de mantenedor da ordem cósmica e social veio com o surgimento e a difusão dos códigos legais. O rei assume para si o que antes era função divina - a de manter a justiça. Isso comporta ao rei uma enorme responsabilidade e assume a legitimação religiosa do seu poder.

"Os reis mesopotâmicos, desde o início do terceiro milênio a.C., entenderam a importância de capitalizar suas realizações e, então, inscreveram seus feitos heróicos (...) a fim de mostrar aos deuses (...) que estavam cumprindo seus mandatos divinos." Isso pode ser muito bem ilustrado no texto de Gwendolyn Leick quando este afirma que todos os anos o rei retornava sua insígnia ao deus e, depois de jurar que não tinha feito nenhum mal à Babilônia, se voltava para o seu posto. Neste mesmo texto ainda, Leick coloca que no festival anual o rei ainda era apresentado como o coroado e protegido pela lei divina.

No código de Hammu-rabi, nós encontramos a legitimação do poder quando o rei assume que sua posição real foi concedida pelos deuses. Neste mesmo discurso, encontramos o que já foi discutido anteriormente com mais detalhes - o rei assume o papel de traduzir a ordem, de ser provedor de justiça. Esta função traz imbutida a ideia de pastor, o que Marc Van de Mieroop chama de "a shepherd to his flock". Porém, neste texto, ao contrário do próximo que iremos ver, o rei ainda é humano e social apesar da capa divina que reina sobre ele. Na correspondência de Mari o rei não só diz que é criação divina, como também ousa uma comparação e assimila para si atributos divinos. Trata-se de registros de uma mesma dinastia de reis, mas que sob diferentes circunstâncias e necessidades, cada rei atribui para si características mais ou menos ousadas em relação ao mundo divino.

Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo

"[...] A Academia Brasileira de Letras tem que ser o que são as insituições análogas: uma torre de marfim [...]." - Machado de Assis, 1897

"A primeira fase de vossa ilustre instituição [ABL] decorreu à margem das atividades gerais [...]. Só no terceiro declínio deste século operou-se a simbiose entre homens de pensamento e ação." - Getúlio Vargas, 1943

Durante o período conhecido como Estado Novo, os intelectuais tiveram um papel que até então lhes fora negado. Na passagem do Império para a República, a intelectualidade que via a literatura como uma missão transformadora tomou consciência do seu papel possivelmente político e da necessidade de sair da teoria para a prática. No entanto, uma sociedade tradicional colocaria uma barreira entre estes pensadores e qualquer ação política.

Quando Machado de Assis se refere à ABL como uma “torre de marfim”, ele coloca a instituição num papel de refúgio dos intelectuais que, afastados da sociedade, conseguiriam melhor observá-la e refletir sobre ela. Era um lugar onde os literatos não precisariam se preocupar com nada se não a literatura.

No Império, a classe literária também ficou marginalizada. Na recém formada nação, a sua missão foi a de criar um temário nacionalista destinado à valorização do país.

No Estado Novo, porém, as coisas mudam. Os intelectuais são chamados pelo governo a fazer parte deste. Olhemos a frase de Getúlio Vargas: ele critica a posição marginalizada da ABL e se refere a uma “simbiose entre homens de pensamento e ação”. Dessa vez, a intelectualidade irá atuar diretamente no governo a fim de promover uma política-pedagógica da ideologia do regime do Estado Novo. O ingresso de Getúlio à Academia também ilustra muito bem isso. Ele já não é mais só o homem de ação, mas também é capaz de pensar sobre os destinos da nação.

A atuação dos intelectuais na política ocorrerá através do DIP e do Ministério da Educação que, liderado por Gustavo Capanema, muitas vezes será chamado de Ministério Capanema. Cada um dos organismos tem um público alvo diferente. O Ministério é mais voltado à cultura e à uma formação erudita; já o DIP vai procurar orientar as manifestações populares através do controle das comunicações. Não é a toa que seus componentes são intelectuais conhecidos pelo pensamento autoritário e centralista – Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e Cândido Motta Filho.

Por um lado, os intelectuais se autointitulam como os capazes de traduzir as necessidades da população em geral que, em sua maioria iletrada, não conseguem se manifestar. Por outro, parece que o regime getulista do Estado Novo faz uso dessa aparente capacidade para se autopromover. É graças aos intelectuais e a partir deles que é possível entender a base organizacional do governo que se apóia, se não inteiramente, quase, na cultura.

Crime e Castigo

Crime e Castigo é um livro fenomenal! Dividido em dois volumes, são os dois primeiros livros de uma coleção recomendadíssima da Editora Abril. Os Grandes Clássicos é composto por vários livros que vão desde Dom Quixote e Orgulho e Preconceito até Memórias Póstumas de Brás Cubas – só para citar a diversidade de autores e estilos. São aquelas histórias que conhecemos através das inúmeras referências em animações e filmes, mas cuja história nunca foram lidas. E o preço, ao contrário dos livros nas livrarias, é muito acessível – R$14,90.

Crime e Castigo foi escrita pelo autor russo Fiódor Dostoiévski no final do século XIX em um momento conturbado de sua vida. A história, que conta sobre uma determinada parte da vida do nosso querido Ródia, é capaz de prender o leitor do começo ao fim. Poderia dizer que é uma história policial, da perspectiva do assassino. Não é a narração de um detetive procurando pelas pistas do criminoso, mas sim das tentativas deste de escondê-las e pelo que foi levado a fazer num momento de loucura – mas que, em verdade, fora planejado muito antes.

Na história, que se passa em São Petesburgo, os personagens são pobres e lutam para sobreviver de diversas maneiras: seja através de casamentos, bicos em qualquer tipo de trabalho, prostituição, ou, quando se está quase no limite, bebendo.

Durante a leitura, muitas vezes o narrador mergulha nos pensamentos de Ródia, transcrevendo tudo o que ele pensa. Esses pensamentos são a chave do livro, segundo a meu ver. São eles que permitem a narração fugir da normalidade, pois assim como um pensamento flui, o mesmo acontece quando estamos lendo a mente de Ródia. É, também, através desse “truque” que sentimos compaixão pelo protagonista. É possível sofrer junto com ele: sentir sua febre, sua loucura e sua doença. Quando se cura, é com facilidade que sentimos pena e queremos o seu melhor.

Enfim, um detalhe que chama muito a nossa atenção logo de início, são os nomes dos personagens – russos. Como estamos acostumados com nomes de origem inglesa, italiana, alemã e francesa, nomes russos são difíceis de serem pronunciados, mas são divertidas as tentativas.

Só posso dizer, para finalizar, que o livro é maravilhoso. Setecentas páginas vão com facilidade e, para quem gosta de história, é uma ótima referência para ilustrar a situação da Rússia algumas décadas antes de 1917.

A Revolta da Vacina

"Chegamos a uma sociedade que quer viver o avesso do mito da caverna de Platão, que narra o empenho de homes criados nas suas profundezas escuras para delas sair e ver a realidade à plena luz. No episódio da Revolta da Vacina, vemos claramente essa sociedade rompendo o ovo do seu nascedouro e manifestando precocemente a extensão de sua ferocidade e voracidade."

É assim que termina um livro, pequeno em tamanho mas excepcional em seu conteúdo, de Nicolau Sevcenko, que narra os acontecimentos da Revolta da Vacina e conta os bastidores deste acontecimento de consequencias trágicas - trata-se de uma micro-história. É um livro recomendado a TODOS, inclusive adolescentes, a única contra indicação é para quem não gosta de história e de uma narração muito bem feita.

De uma forma muito fluída e ilustrativa, Nicolau Sevcenko nos mostra como ocorreu a passagem do Império para a República e a tumultuada passagem do século XIX para o XX na então capital do país - o Rio de Janeiro. O autor intercala todo o texto acadêmico e informativo com belíssimas passagens de nossa literatura - poemas e prosas de literatos ilustres como Lima Barreto, Euclides da Cunha, Cruz e Souza, entre outros -, além de descrições e relatos da época.

A mudança de século foi um momento de grande efervescência política. O regime sob qual o Brasil estava sendo governado, tinha como objetivo, assim como os regimes de 30 e 64, o desenvolventismo do país. A imagem de um país desenvolvido, de governo sólido e estável, economia saudável e administração competente, era o que almejava os governantes. Uma série de medidas econômicas, como a Política dos Governadores e o Convênio de Taubaté, trouxeram ao país enormes vantagens para a agricultura paulista, mas deixou em detrimento todo o resto da população, que sofria de uma carência de alimentos e moradia. Trata-se de um progresso cuja uma das faces é prejudicial - prejudicial às camadas mais pobres.

O Rio de Janeiro, como todas as outras cidades portuárias, carecia de uma enorme infraestrutura. A população era vítima de uma série de epidemias, além de uma carência de moradia e o porto sofria com a falta de espaço. Além da urbanização ao redor do porto, que dificultava enormemente a circulação de mercadorias.

É assim que os sanitaristas ganham um poder político similar aos urbanistas que são responsáveis pela reforma das avenidas da cidade e das obras do porto. Da mesma maneira, os sanitaristas têm em mãos uma missão política, não humanizadora. Esvaziar e destruir os casarões, pensões e cortiços, fazia parte desta "missão" sanitária. Gradativamente as pessoas foram expulsas do centro da cidade e sendo marginalizadas, procurando as regiões que ninguém queria: os pântanos e as áreas mais íngrimes. O livro dá uma noção muito boa de como foram formadas as favelas do Rio de Janeiro.

Quanto a vacina, esta também fazia parte do projeto de uma cidade a lá parisiense. O problema maior foi a maneira como ela foi feita. Um grupo mais esclarecido, os positivistas, lutava contra a forma que ela foi imposta - uma maneira arbitrária, compulsória e autoritária. Lauro Sodré, o líder deste grupo, dizia ainda que esta lei "ia contra a liberdade de consciência". As charges da época, inclusive, tratavam a figura de Oswaldo Cruz de uma forma satírica e não a de um herói nacional como nos é mostrada hoje.

Se ia ou não, o fato é que a lei impunha uma vacina obrigatória em uma população pouco esclarecida e totalmente insatisfeita com os rumos que o país estava tomando. Outros grupos políticos, como os positivistas e os monarquistas, fizeram uso desta insatisfação como instrumento para interesses próprios. O problema é que perderam o controle da situação que chegou a níveis trágicos. Tanto o exército como a marinha foram chamados para ajudar o governo a controlar a revolta.

No final, bastava que o indivíduo não estivesse vestido como o exigido, que ele era preso como um participante da revolta e humilhado através do desnudamento e da tortura. Havia também os que eram mandados para o Acre e, nas palavras de Euclides da Cunha: "Os banidos levavam a missão dolorosíssima de desaparecerem."

Para concluir, transcrevo aqui as palavras de Nicolau, que, na minha opinião, são uma grande fonte de reflexão sobre os rumos da história de nosso país. "Nesse momento de transição brusca e traumática da sociedade senhorial para a burguesa, muitos dos elementos da primeira foram preservados e assimilados pela segunda: sobretudo no que diz respeito a disciplina social. A vasta experiência no controle das massas subalternas da sociedade imperial não podia ser desperdiçada pela nova elite. (...) O que nos sugere o autor (Lima Barreto) é que a nossa República democratizou a senzala: acabado o privilégio jurídico de alguém em particular ostentar a posse de escravos, o Estado passou a tratar todos segundo a prática prevista pela existência simbólica daquela categoria."

A invenção da Idade Média

Este foi o assunto da minha primeira aula de Idade Média. A transcrevi aqui porque em pouco mais de três horas, o professor quebrou com muitos de meus conceitos - ou pré-conceitos. Eu achava que tanto a disciplina de Idade Média quanto de Antiga seriam chatas por se tratarem de períodos muito longínquos que pouco ou nada teriam a ver com o nosso cotidiano, a nossa vida de hoje. Essa primeira aula serviu para eu pensar totalmente diferente sobre esses períodos históricos e também sobre o trabalho intelectual que fazemos na Universidade – e também fora dela.

A Idade Média nasceu no século XIX assumindo desde já as suas duas faces. Além de ser uma convenção cronológica referente ao período que vai do século V ao século XV, a Idade Média é também uma construção historiográfica. Esse último caráter nasceu para explicar as raízes dos Estados Ocidentais. Assim, a Alta Idade Média nasceu como um discurso identitário, tornando-se a base do discurso política da Europa no século XIX e, pasmem (!), até hoje.

Apesar de sua “incapacidade de assumir uma posição de matriz civilizacional”, a Idade Média ainda assume um importante discurso da política contemporânea. Por isso que, mesmo fechando a porta da sala de aula, é impossível separar nosso trabalho de pesquisador com a política, independentemente do assunto e da época que pesquisamos. Todo historiador, e outros cientistas sociais, é filho de seu tempo e, muitas vezes, de sua instituição.

Na historiografia francesa, a gênese da França encontra-se no século V. O Rei Clóvis do Império Franco, ao vencer uma batalha contra um determinado grupo bárbaro, recebeu do imperador romano o título de cônsul. Mais tarde, esse mesmo rei franco quebrou a tradição de seus pais e se converteu ao cristianismo. Assim, a França se coloca numa posição superior as suas nações vizinhas por ter uma herança romana e cristã além de ser capaz de manter esse império romano num mundo dominado pelos bárbaros.

Já na historiografia alemã, a “invasão” bárbara foi uma renovação do continente europeu, e é vista como algo positivo - é a regeneração do Ocidente. Invasão entre aspas porque não é considerada como tal, mas sim como uma “retomada”. Hoje, esse mesmo termo também gera controvérsias. Acredita-se que não houve uma invasão organizada, de caráter bélico e violento, mas sim uma migração de povos que já haviam tido algum contato com a política romana.

Assim, para os franceses, foi no século V que o povo germânico realizou sua primeira invasão. Invasão esta que só seria desfeita e libertaria a França em 1945. É a historiografia justificando e explicando guerras de séculos e séculos mais tarde. E as pessoas ainda se perguntam por que é importante estudar história – ela é tão comum nos discursos políticos e identitários que passa despercebida aos olhos de muita gente.

O trabalho escravo no Brasil Colonial

Algumas perguntas rodeiam a escravidão no Brasil. Por que foi necessária a escravidão? Por que africana? E que sociedade era esta (só porque tem escravos, não significa que é uma sociedade escravista)? São algumas das perguntas que nos ajudam a entender esse sistema de trabalho que perdurou por três séculos em nosso país.

No Antigo Antigo Sistema colonial, a colônia se colocava na retaguarda da metrópole, que possuia um exclusivismo gerador de super lucros. A subordinação dos senhores de engenho, reféns da esfera comercial, permitia uma quase total transferência de renda da colônia para a metrópole. Por sua vez, o trabalho assalariado diminuiria os lucros pois aumentaria o custo de produção. Por isso que, de início, o trabalho escravo indígena era mais lucrativo.

Fugindo um pouco do aspecto totalmente mercantil do trabalho escravo, tem-se também o aspecto social. Os portugueses que vinham ao Brasil eram em sua maioria pertencentes da população mais pobre de Portugal, que vinham para cá almejando uma ascensão social. Oras, o trabalho manual era algo degradante e, por isso, possuir escravos para fugir do trabalho e ainda permitindo seu senhor enriquecer, era algo prestigioso. Essa característica do trabalho manual como algo vergonhoso se estendeu até o século XIX, que acompanhou a chegada dos trabalhadores imigrantes.

Pois bem, por que então não se continuou com o trabalho escravo indígena? O aprisionamento dos índios não participava das engrenagens do capital mercantil. Já o tráfico de escravos africanos, faz movimentar o capital, enriquecendo ainda mais a metrópole. O tráfico ainda era impulsionado, ou ajudado, pela natureza. As correntes marítimas do Atlântico entre a América do Sul e a África, facilitam o movimento dos navios de aprisionamento.


É por isso que Luiz Felipe de Alencastro diz que até os anos 30 do século XX, o Brasil não teve uma força de trabalho territorial, toda ela vinha de fora.

A questão social do Brasil Colônia é um outro caso. Não é por que tem escravo que a sociedade é escravista. A sociedade colonial brasileira é escravista porque a escravidão penetrou nas relações sociais de tal forma que as distinções sociais eram estabelecidas a partir desta. Se o indíviduo já foi, é, ou possui escravos. Pobre é aquele que não tem escravo e rico é aquele que tem. E quanto mais escravos, mais rico é. E não é só o trabalho por si só. Mesmo quem foi alforriado, fica as margens da sociedade por uma vez já ter sido escravo.

Em outras palavras, não há possibilidade de vida fora da escravidão.

Havia negros escravos, que possuíam escravos. Um escravo jovem, forte e artesão, por exemplo, que consegue juntar um dinheiro e comprar um escravo velho, doente, manco e sem dentes, já ascende socialmente entre os próprios escravos.

As marcas destes três séculos de escravidão, carregamos até hoje. Um exemplo que ouvi durante a aula é muito ilustrativa. No Brasil Colonial, a senhora que passeia pela rua com suas mucambas é se mostrar tão rica que pode ter tantos escravos ao ponto de ter escravas que não precisam fazer nada a não ser acompanhá-la. Hoje, em fins de semana, é possível ver em shoppings frequentados pela mais alta classe social, acompanhados de babás. Salvo alguns casos, isso só mostra o quanto são ricos para pagar uma babá num final de semana e ainda levá-la para passear ao shopping. Hoje em dia, ter um personal trainer, uma acessor, uma secretária, uma leva de empregados... Tudo isso é ascensão social. Ou, como os economistas falam - que, confesso, faz isso parecer mais bonito - o luxo de algumas pessoas, criam empregos para outras e distribuição de renda.
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Mudando de assunto, fiquei felícissima com o último comentário do post anterior, do Paulo Henrique. Que bom que eu faço ótimas indicações. Rs.

Mas realmente, tenho tido muita sorte nas minhas leituras ficcionais. Primeiro porque ganhei maravilhosos livros de presente e também porque tenho alguém que também sabe fazer ótimas recomendações - como no caso de Gomorra. Agora estou lendo Crime e Castigo de Dostoiévski. Comecei a ler com nenhum interesse e agora não penso e nem falo de outra coisa. Mesmo com sono consigo ler de dois a três capítulos.

Memórias de uma gueixa

Memórias de uma gueixa é um livro que, antes de entreter e maravilhar o leitor, é uma leitura que tira preconceitos; que vai contra o senso-comum. Antes de lê-lo, achava que Gueixa era uma prostituta na versão japonesa, porque, há um tempo, quando perguntei a alguém o que gueixa significava, foi essa a resposta que obtive. Outro ponto muito favorável, é a outra visão da participação do Japão na Segunda Guerra Mundial: não foram só as bombas de Hiroshima e Nagazaki.

É um livro muitíssimo recomendado. Ainda não vi o filme, mas tenho vontade apesar do medo de me decepcionar - como é de costume. A vontade de vê-lo, porém, vem da dificuldade de imaginar os kimonos que são descritos, o que são na verdade, grandes obras de arte. Como é possível alguém, que nunca viu nenhum quadro de Picasso, imaginar Guernica apenas com palavras? É assim que me senti lendo como as gueixas estavam vestidas em grandes obras de arte.

Gueixas são artistas. Artistas em entreter homens apenas com sua presença. Conversando, dançando, tocando intrumentos e servindo chá. Parece simples, mas não é. Além de ser hábil para todos essas atividades, a dificuldade de uma gueixa sobreviver do dinheiro de políticos, militares e empresários num Japão que pouco a pouco vai decaindo por conta da guerra, torna tudo ainda mais complicado.

É uma leitura que não só entretém, mas que ensina muito sobre um mundo que, por estar do outro lado do globo, parece tão distante de nós.

Anacronismo na história

Segundo Lucien Febvre, o pecado mortal do historiador é o anacronismo. Em parte, ele tem suas razões. O historiador, ao contar, relatar e analisar um determinado evento ou personagem histórico, não pode levar em consideração o que aconteceu depois; afinal, os agentes dequele momento não tinham em mente a sucessão de acontecimentos posteriores.

Por exemplo: o termo república com a conotação que conhecemos hoje, nunca pode ser usado para todo o século XIX, muito menos antes disso. Apesar da palavra já existir antes, é já quase no século XX que ela é o que sabemos; portanto, usá-la para explicar, por exemplo, as disputas políticas em Portugal com a queda da Monarquia, é anacronismo. Assim como colocar a corrente materialista em teorias e análises de pensadores que antecederam Marx.

Porém, o mais perigoso e inevitável anacronismo aparece quando tratamos da história de um país ou uma nação. Isso porque ela começa justamente quando nada existia. Tomemos por exemplo, a história do Brasil. Pedro Álvares Cabral nunca descobriu o Brasil. Nunca fez isso simplesmente porque o Brasil não existia. Antes da Independência, em 1822, estudamos a história da América Portuguesa, já que se tratava de uma extensão de terra de Portugal. Os habitantes deste território e, inclusive, seu "descobridor", não sabiam que séculos mais tarde, aquela terra que pensavam ser uma ilha, tornar-se-ia uma país independente.

O mesmo acontece com a história de outros países. Os franceses começam a estudar a própria história muito antes do reino Franco. O que se faz é limitar a área geográfica atual da nação e estudar a história de todo esse espaço como se fosse a mesma. Não podemos dizer que Pernambuco, São Paulo e Rio Grande do Sul tiveram uma história em comum e as causas e motivos para isso também devem também ser analisadas com carinho, talvez, em outro post.