Ethan Frome - tragédia, solidão e a Nova Inglaterra de Edith Wharton

Ethan Frome me fez conhecer uma nova face de Edith Wharton. Depois de A Época da Inocência e A Casa da Alegria, saí da Velha Nova York aristocrática para conhecer Ethan Frome, um fazendeiro pobre de uma cidade gelada da Nova Inglaterra. Apesar do cenário diferente, a melancolia de Wharton continua. Li por aí uma crítica desfavorável, não lembro mais onde, que felicidade e vida são incompatíveis nas histórias desta autora, como se Ethan Frome fosse exageradamente e desnecessariamente triste demais. 

Eu concordo que o que eu li de Wharton até agora é muito triste, mas são tragédias que evidenciam a dificuldade da vida e a hipocrisia social. Não acho, absolutamente, que são tristes por serem tristes, tampouco pedantes. São narrativas sempre envolventes que mostram as condições limitantes da vida humana e a promessa de uma felicidade inalcançavel. Além disso, como veremos, o livro onde li Ethan Frome trouxe outros quatro contos, sendo um deles uma sátira divertidíssima. Ou seja, Edith Wharton pode ser também engraçada.  

Obs: como isso é um diário de leitura e a história foi publicada há mais de 100 anos, eu fiz comentários sobre o desfecho do livro. 

Ethan Frome

Publicada em 1911, a história do fazendeiro Ethan Frome é emoldurada pela história de um homem que está passando uma temporada de trabalho numa pequena cidade da Nova Inglaterra, Starkfield. Ele não é nomeado e nos apresenta um pouco a dinâmica daquela comunidade. É inverno, faz muito frio, está nevando muito e ele repara, todo dia, no velho aleijado triste Ethan Frome, que todos os dias vai ao correio, não fala com ninguém e logo depois volta para sua casa. O homem fica curioso, conversa com algumas pessoas e descobre que Ethan é um sobrevivente, tendo saído vivo de um acidente muito perigoso. As condições do tempo pioram e o homem contrata Ethan para transportá-lo até o trabalho todos os dias. Um dia, uma tempestade de neve bloqueia o caminho de volta ao vilarejo e Ethan convida este homem a passar uma noite em sua casa. A partir daí, voltamos 25 anos para o passado e a história de Ethan é contada em flashbacks por uma narrador em terceira pessoa. 

Resumidamente, Ethan Frome é um fazendeiro pobre, que sonhava em ser engenheiro mas largou seus estudos precocemente depois da morte de seu pai, indo cuidar de sua mãe e, depois, casando-se e cuidando da propriedade que herdou. Com medo da solidão e do silêncio, depois da morte da sua mãe, casou-se com Zeena, a cuidadora, para que ela não fosse embora e continuasse a deixar as impressões femininas naquela casa. De saúde debilitada, Zeena recebe sua jovem sobrinha orfã, Mattie, para ajudá-la com as atividades domésticas. Ethan se apaixona por essa moça, que corresponde seus sentimentos. 

Zeena não fala nada, mas percebe o que está acontecendo e constrói um situação na qual uma nova garota será contratada para assumir as tarefas domésticas para Mattie ir embora. Ethan e Mattie ficam devastados e, durante suas últimas horas juntas, eles decidem fazer algo que acaba de forma inesperada. Para nunca mais se separarem, Mattie propõe que eles se suicidem e Ethan acaba cedendo. Só que o acidente não os mata, mas os deixa inválidos para sempre. Ethan aleijado e Mattie paraplégica. No epílogo, voltamos para o tempo presente e descobrimos, pelos olhos do narrador sem nome, que há 25 anos, Mattie e Ethan continuam morando na mesma fazenda sob os cuidados de Zeena. 

Essa tragédia me deixou fascinada. Apesar da paisagem fria e congelante da Nova Inglaterra e da pobreza e miséria em que vivem os personagens de Ethan Frome, há um aspecto similar das outras obras de Wharton que se passam na Velha Nova York: o vazio, a ausência, o silêncio, o não dito, a idealização frustrada do casamento e a procura de felicidade sufocada pelas condições materiais e sociais da vida humana. O que resta é a promessa vazia, relações miseráveis e uma solidão profunda. 

Tanto a história moldura quanto os flashbacks se passam num longo e rigoroso inverno de Massachussets, o que torna a fazenda de Ethan ainda mais isolada do resto do mundo. Tão definitivo é o inverno na vida das pessoas, que a contagem do tempo é feita pelo número de invernos passados. Esse isolamento faz de Ethan um homem frustrado, que abdicou do seu sonho de estudar e tornar-se engenheiro para cuidar de sua família e propriedade. Casou-se com Zeena com o medo do silêncio, apenas para ter mais alguém vivendo sob o mesmo teto. Mas a relação entre eles é tão fria quanto o lugar onde moram. Mattie é a jovem forasteira que chega trazendo beleza, juventude e um frescor para esse ambiente opressor. Ethan sonha com uma outra vida com ela, mas não tem recursos para pedir um divórcio ou fugir com a amada, restando apenas a amargura e mesquinharia de sua esposa. 

Mas veja, o narrador em terceira pessoa escreve principalmente sob o ponto de vista de Ethan e, por isso, neste triângulo amororo criamos compaixão com Ethan e Mettie, enquanto Zeena é a bruxa amargurada da história que trama contra a união dos pombinhos. Porém, Zeena era uma pessoa cheia de vida que iluminava a casa da fazenda e, sob a promessa de que depois do casamento iriam vender a propriedade e mudar-se para uma cidade, aceitou a proposta de união de Ethan. Mas o tempo foi passando, a fazenda não foi vendida e lá eles foram ficando. O isolamento e o frio da região e de seu marido foram tornando sua figura cada vez mais amargurada e hipocondríaca. 

Mattie, a jovem inocente vítima das artimanhas de Zeena sob os olhos de Ethan, também não é tão coitada assim. Apesar de sua obediência e esforço diário nas atividades domésticas e cuidados com a saúde de Zeena - habilidades para as quais ela não tem vocação - confronta sua prima quando pega uma louça escondida do armário. 

Ou seja, esses personagens vivem uma vida que odeiam. Ninguém é vítima, mas as amarras sociais, ou seja, o fato de que não têm dinheiro nem lugar para irem, faz com que eles fiquem presos uns aos outros. Sem conseguir se rebelar, largar tudo e fugir, eles acabam desafiando uns aos outros nas pequenices da vida doméstica. Os confrontos existem e estão lá, mas eles são sutis. 

Estou falando tudo isso porque pesquisando brevemente sobre o livro vi duas coisas. Primeiro, muita gente não gosta do livro. Ele é leitura obrigatória no ensino básico nos EUA e fazer adolescente ler por obrigação um livro desse, completamente niilista e melancólico, com a paisagem fria, congelante, onde pouca coisa acontece, só pode dar nisso mesmo. Por causa desse descontentamento, alguns comentários tendem a diminuir o livro porque tiram sarro de algumas situações, como o prato de picles e o acidente de trenó. Porém, a história se passa no meio do nada, onde é possível fazer menos ainda por causa do frio. É justamente por causa desse vazio que pequenas coisas, como uma louça quebrada, ganham dimensões enormes. Além disso, uma vida dominada pelo tédio, sem televisão, luz elétrica, aquecimento interno, etc, escorregar de trenó na neve é uma das pouquíssimas coisas que sobram para fazer. 

A segunda coisa que vi é a interpretação de que se trata de uma história romântica. Eu discordo desta leitura. Acho que Ethan é um homem infeliz, fraco, que prendeu Zeena nessa situação que ela nunca quis, a ignora como marido, e projeta nestas duas mulheres com quem vive suas frustrações e desejos e acaba tornando tudo muito miserável. 

Infelizmente, colocar livros clássicos como obrigatórios no ensino básico diminui bastante a popularidade da obra. Eu lembro com agonia os livros que fui obrigada a ler no Ensino Médio. Quando somos adolescentes, esses livros são chatos. É preciso ter certa maturidade de leitura para ler Ethan Frome e estar preparado para o nada. Para a ausência. Para o que é dito pelo não dito. Com certeza a leitura dos dois romances anteriores me preparou para isso. 

O meu comentário final se refere à dificuldade da leitura. Como é um livro muito descritivo onde pouca coisa acontece, foi muito difícil ler em inglês. Com certeza demorei mais por isso e várias vezes precisei procurar palavras no dicionário. Nesse sentido, o Kindle ajudou.

Ah, uma outra coisa: recentemente li A Casa das Sete Torres, de Nathaniel Hawthorne, uma história que também se passa numa cidadezinha da Nova Inglaterra. Ethan Frome foi um ótimo complemento, porque enquanto no primeiro a leitura nos coloca num cenário urbano, Wharton nos leva para um ambiente rural. Em ambos, todavia, são as atividades domésticas, a casa e a relação entre aqueles que vivem juntos sob quatro paredes que constituem o motor principal das tramas. 

Os quatro contos

Dos outros quatro contos que vieram no livro, falarei brevemente sobre os dois que mais gostei. Afterward é um conto gótico, no qual um casal norte-americano muda-se para um antigo casarão de uma cidade rural da Inglaterra. Para eles, esta é uma experiência exótica e nesta nova residência eles esperam encontrar fantasmas. No entanto, antes mesmo da compra, eles haviam sido avisados que nesta casa havia sim muitos fantasmas, mas quem os vê, não sabe que os vê. Indignados, eles perguntam novamente "- Ou seja, se você viu um fantasma, você não sabe que viu e vai viver sua vida normalmente? Qual a graça disso?". E a resposta: "Bom, pode até ser que acabe sabendo, mas só depois". 

Essa premissa do conto deixa tudo interessante e o ambiente misterioso da casa é ótimo. A descrição da biblioteca, os vultos, o comportamento estranho do marido e a desconfiança da esposa que passa a duvidar de si mesma tornam a história muito interessante. O desfecho é ótimo! 

Xingu é uma sátira. Um grupo de seis mulheres aristocráticas montam um clube de leitura e estudos e, periodicamente, se reunem para discussões de "alto nível intelectual". Mas a verdade é que elas não sabem nada e fazem isso apenas pela aparência. Até que uma delas volta de uma viagem do Brasil e passa a ser ridicularizada pelo restante do grupo. Durante uma reunião, convidam para o almoço a autora do livro que vinham discutindo e elas ficam perdidas quando a autora, de sacanagem, começa a fazer perguntas cabeludas as quais elas nao conseguem responder. A mulher que voltou de viagem aproveita a brexa e, também por sacanagem, diz que elas estão sem conseguir responder porque nos últimos tempos estavam muito preocupadas com um tema importantíssimo: o "Xingu". Ninguém sabe o que é Xingu, mas todas conduzem a conversa como se soubessem do que estão falando e acaba sendo muito engraçado. 

Eu amo Edith Wharton. Acho uma pena ela não ser muito conhecida no Brasil e não ter mais obras traduzidas. Alguns contos ou passagens mais descritivas têm uma leitura mais difícil. Enfim, leitura magnífica e recomendadíssima. 

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No Brasil, Ethan Frome foi lançado pela Editora Penalux, com tradução de Chico Lopes, em 2017.