Venho lendo Philip Roth desde 2019, mas esta foi a primeira leitura que fiz nos Estados Unidos. Não é que tudo mudou, mas algo mudou.
Goodbye, Columbus and five short stories foi o livro de estreia do autor em 1959. Diferentemente dos outros que eu já li, este tem um ritmo mais tranquilo. Não tem aquela velocidade verborrágica de O Complexo de Portnoy ou Pastoral Americana. Adeus, Columbus se passa durante as férias de verão e descreve o romance entre Neil Klugman e Brenda Patimkin. Os dois são de família judias, mas a de Neil é pobre. Seus pais moram em outro estado e ele vive de favor com seus tios. Neil é também o narrador da história e tem um trabalho de baixa remuneração na Biblioteca Pública de Newark.
Ele conhece Brenda na piscina do clube que está frequentando. A família de Brenda tem uma situação financeira muito mais confortável. Ela é estudante em Radcliff College, Massachussets, e está passando as férias de verão com sua família em Newark. São pelos olhos de Neil que conhecemos Brenda, uma moça atlética, bonita, inteligente, e a sua família. Quando Neil é convidado para jantar com os Patimkin, é com Neil que entramos nos cômodos da enorme casa onde boa parte da história se passa, visualizamos o jardim, acompanhamos a rotina e conhecemos as personalidades dos integrantes daquela família.
A diferença entre os Klugman e Patimkin vão além do dinheiro. A mãe de Brenda se diz ortodoxa, seu marido é conservador e Brenda, segundo ela, não segue nenhuma linha. Quando Mrs. Patimkin pergunta para Neil qual corrente ele seguia e qual Sinagoga frequentava, Neil responde "- Eu sou apenas judeu".
Eu gosto muito como Roth coloca essas questões de identidade, religião e família dentro do espaço doméstico e das relações mais cotidianas da vida, pois são nesses momentos onde as diferenças se tornam mais problemáticas. Estes elementos já eram bem sensíveis para mim nas outras leituras, mas este livro trouxe uma vivência nova para mim. Aqui nos Estados Unidos estamos entrando na primavera depois de um frio horroroso, as temperaturas estão subindo, e as aulas já acabaram para dar início às férias de verão. Aqui as estações são muito bem demarcadas e há uma vontade coletiva de aproveitar cada segundo as altas temperaturas do verão. Por isso, as férias longuíssimas que começam em maio e vão até meados de agosto.
Brenda estuda em Massachussets, na Nova Inglaterra. Um lugar frio e desagradável (eu acho desagradável sim) para passar de 3 a 4 meses na casa dos seus pais apenas curtindo as férias e o calor, indo para a piscina, jogando tênis, saindo com os amigos. É um momento fora da realidade. Com data e hora para acabar. Já aprendemos nos filmes da Sessão da Tarde que qualquer romance que começa numa férias de verão é como um sonho e que, na chegada do outono, precisa encarar a realidade. Assim, já é esperado que Brenda vá embora de Newark no fim das férias. A dúvida que resta é como será o desfecho do romance entre o casal.
Ler ou já conhecer o lugar sobre o qual o autor fala também nos dá uma dimensão muito palpável do que ele está descrevendo. Na passagem em que Neil e Brenda vão para New York para que ela se consulte com um médico em frente ao Central Park, eu senti que estava lendo algo muito familiar. Por mais que seja uma delícia voar para outros mundos e realidades através da leitura, a proximidade com certos elementos - como a descrição da esquina onde estava o consultório - cria uma relação diferente - diria até íntima - com o autor e sua obra.
É uma história curta, gostosa de ler. As questões das famílias judaicas americanas ficam nas entrelinhas - salvo alguns momentos específicos como este breve diálogo entre Mrs. Patimkin e Neil. É um ótimo livro inicial para quem nunca leu Roth, pois O Complexo de Portnoy pode assustar um pouco, e Pastoral Americana e A Marca Humana é de uma leitura frenética que nos impede de suspirar.
Junto com Goodbye, Columbus, vieram cinco contos - ou short stories. Algumas já haviam sido publicadas em revistas. Mais uma vez vemos elementos como identidade, subjetividade, as famílias judias nos Estados Unidos e seus descendentes, os dogmas e fanatismo religioso. Veja o que eu acho louvável em Roth: em seus livros - e nestes cinco contos - ele fala do deslocamento do homem judeu nascido na América, o preconceito, a sensação de estar fora do lugar, os traumas históricos, colocando um olhar crítico também dentro deste círculo. Seus ataques afiados não se limitam do fora para dentro dessa comunidade, mas também traz críticas severas que ficam dentro deste grupo. Não há vítimas nas histórias de Roth. Todo mundo é ambíguo e problemático: quase uma questão genética.
Dentre os cinco contos, The Conversion of Jews, Defender of the Faith e Eli, the Fanatic, foram meus favoritos. Na primeira, um menino judeu curioso chamado Ozzie, pergunta ao Rabino por que Deus, que é absolutamente todo poderoso, não poderia ter engravidado Maria sem relação sexual e, portanto, ter tido um filho com ela. Por que, ele se pergunta, se Deus criou até a luz, ele nao poderia ter um filho sem penetração com uma mulher? O resultado para o pequeno Ozzie não é agradável. Ao invés de receber uma resposta satisfatória, ele apanha do Rabino e sangra. Sua mãe também reprova seus questionamentos. No dia seguinte, ele sobe no telhado e, diante de uma ameaça, faz todos reconhecerem que Jesus era sim filho de Deus. Neste conto, Roth faz uma alusão à passagem bíblica Romanos 11:25, que prevê a conversão de todos os judeus ao cristianismo como um evento do fim dos tempos. Roth é sempre muito simbólico, mas este conto consegue ser desesperadamente simbólico.
O segundo conto dentre meus favoritos, Defender of the Faith, conta a história de um tenente judeu americano, Marx, que lutou em batalhas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial e agora está recrutando e treinando novos soldados em Missouri. No seu campo de treinamento ele conhece três soldados judeus e um deles, Sheldon Grossbart, procura insistentemente benefícios e regalias justificando a origem judia comum entre eles. Ele se diz defensor da fé por requisitar dias de descanso, saídas para almoço em família, comida kosher e tudo o que lhe permitisse continuar com os rituais religiosos apesar do ambiente e rotina militar.
Num determinado momento, o superior de Marx, o Captain, fala para Grossbart que Marx estava há 3 anos e dois meses no exército, sendo um ano em combate, e que o Lieutenant nunca havia pedido saídas especiais, tampouco comida diferente. Grossbart responde que isso acontece porque algumas coisas são mais importantes para alguns judeus do que para outros. E o Capitão responde:
- Look, Grossbart. Marx, here, is a good man - o goddam hero. When you were in high school, Sargeant Marx was killing Germans. Who does more for the Jews - you, by throwing up over a lousy piece of sausage, as piece of first-cut meat [porque não são kosher], or Marx, by killing those Nazi bastards? If I was a Jew, Grossbart, I'd kiss this man's feet. He's a goddam hero, and he eats what we give him.
Olhando este diálogo, fica a questão: quem é aqui o defensor da fé?
Enfim, quando publicado, este conto foi muito mal recebido pela comunidade judaica, que acusou Roth de ser um self-hating jew.
Finalmente, Eli, the Fanatic, conta a história de Eli, um advogado judeu que mora numa comunidade com protestantes que se vêem "ameaçados" pela chegada de judeus ortodoxos. Fugindo dos combates da Segunda Guerra, estes judeus se instalam nessa pequena cidade americana com vários meninos e começam a montar uma escola Talmund Torah. A violência já começa com a tentativa de segregação no processo jurídico que a atual comunidade - de judeus e protestantes - querem abrir contra a instalação dos recém-chegados. Mas tudo ganha uma nova dimensão quando o advogado veste as roupas negras do seu "inimigo" e ele mesmo se torna o "outro".
Recomendadíssimo. Com certeza um dos melhores livros que lerei este ano. Vi na Amazon Brasil que tem uma edição da Companhia da Bolso e disponível também para Kindle.
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Alguns links interessantes:
E minha lista de leitura só aumenta! Vou procurar na biblioteca da Cidade se tem algum dele p eu ler. 😘
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