O Corcunda de Notre Dame: minha estreia lendo Victor Hugo

Esses dias uma amiga querida estava me contando sua experiência em um museu e disse "a pior arte é aquela que provoca o nada, que não desperta nenhum sentimento, que não instiga curiosidade, admiração, raiva ou nojo. Ao olhar um quadro, até os sentimentos ruins são mais valiosos que o nada."

Pois bem, a partir disso tomei a iniciativa de escrever sobre minha última leitura. Já faz 15 dias que acabei O Corcunda de Notre Dame, escrito por Victor Hugo e publicado em 1831. Quando eu tinha 16 anos conheci meu marido. Ele era apaixonado por Victor Hugo, mas eu o perdôo, porque - afinal - todo adolescente é um grande romântico. Seu livro preferido era Os Trabalhadores do Mar. Isso foi em 2007 e, desde então, eu ouvi várias vezes recomendações para ler o tal do herói da literatura francesa que se pronuncia Hugô. 


Acontece que eu sabia que não ia gostar de todo o melodrama do romantismo francês. Porém, nestes últimos tempos, me envolvi numa pesquisa sobre a vida de Adèle Hugo, a quinta filha de Victor Hugo. O caminho foi labiríntico: para praticar o francês, estava assistindo a série da Netflix Dix Pour Cent onde, em um dos episódios, apareceu a atriz francesa Isabelle Adjani. Coloquei o nome dela no Google e vi que um dos filmes que lhe deu projeção foi A história de Adèle H.. Li a resenha, me interessei, estava disponível no Amazon Prime e, voilà! Me emocionei com o filme, com a história de Adèle e pesquisei bastante sobre ela, inclusive indo à biblioteca ler seus diários íntimos. 

Eu estava tão envolvida com essa história da família Hugo (descobri várias fofocas) que, quando vi que o Clube de Leitura do Querido Clássico tinha programado O Corcunda de Notre Dame como leitura coletiva para o mês de setembro, eu achei que seria uma ótima oportunidade. Porém, curiosidade: o timing foi ótimo, mas a leitura - como eu já esperava - foi ruim. 

Não é que o livro em si seja ruim, mas ele não conversou comigo, com meu momento de vida, com a minha realidade. A história se passa em Paris no final do século XV, escrito em 1830 e se trata de uma defesa a favor das construções arquitônicas góticas medievais que, após a Revolução Francesa, Victor Hugo via que estavam sendo todas demolidas. Eu entendo a importância histórica deste livro/ documento. Todas aqueles monumentos indo abaixo apagavam uma história que dificilmente poderia ser recontada depois. Várias vezes durante o livro, o narrador se intitula como "historiador" e usa os personagens e a narrativa ficcional para ensinar os leitores sobre a história e a arquitetura parisiense gótica e medieval, inclusive a própria formação urbana da cidade.  Sob a perspectiva da mudança do tempo, no sentido do fim de uma ordem, para o nascimento de um novo mundo, é um registro até bonito. 

Porém, de novo, em muitos sentidos esse livro não conversou comigo: não sou arquiteta, nem urbanista, tampouco medievalista, muito menos um dia já pisei na França. A única coisa que - talvez - poderia me aproximar disso tudo é meu carinho em estudar a língua francesa e meu interesse por literatura do século XIX, mas olhe lá! Eu procuro na ficção o prazer que a arte proporciona e para isso pela precisa dialogar com o expectador que, por sua vez, vê sentido no que está consumindo. Se eu estou lendo algo que não conversa com a minha realidade, não há diálogo, portanto não há sentido e, como consequencia, há frustração. 

Em resumo foi este o sentimento da minha estreia lendo Victor Hugo: frustração. Tirando um capítulo genial, onde o narrador faz uma análise de como a criação da imprensa mata (sim, do verbo matar) a arquitetura enquanto forma de registro histórico das sociedades, todo o resto achei bem cansativo. Inclusive a construção da única personagem feminina: Esmeralda. 

É também um pouco frustante ver essa mulher do romantismo sendo descrita e tratada como seres passivos, ingênuas e infantis. Aliás, esta é a forma como Victor Hugo tratou sua filha Adèle quando, aos 41 anos, ela é levada de volta à França depois de mais de uma década vivendo sozinha em países estrangeiros. No seu retorno, ela é diagnosticada com esquizofrenia. Um diagnóstico que, sob o nosso olhar contemporâneo, é bastante questionável, mas que na época, Victor Hugo tomou como um motivo para interná-la numa casa de repouso pelo resto de sua vida. 

Finalizo aqui sem falar muito sobre o livro em si, porque apesar de ser bastante rico e oferecer mil tópicos para serem discutidos, é muito complicado falar sobre algo sobre o qual não nos identificamos. Fica, porém, meu registro da experiência de leitura.

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